“O que lhe aconteceu ontem á noite não foi nem brincadeira nem uma peça. Você teve um encontro com o poder. A névoa, o escuro, os raios, a trovoada e a chuva foram todos parte de uma grande batalha de poder. Você teve a sorte dos principiantes. Um guerreiro daria tudo para participar de uma batalha dessas.

Meu argumento era de que todo aquele acontecimento não podia ser uma batalha de poder porque não fora real.

– E o que é real? — perguntou dom Juan muito calmamente.

– Isto, que estamos vendo, é real – disse eu, apontando para as vizinhanças.

– Mas assim também a ponte que você viu ontem à noite e a floresta e tudo mais.

– Mas se eram reais, onde estão agora?

– Estão aqui. Quando você tiver poder suficiente poderá evocá-las de volta. No momento não pode fazer isso porque acha que ajuda muito ficar duvidando e ranzinzando. Não é assim, meu amigo. Não é, não. Existem mundo enrolados sobre mundos como cascas de cebola, bem aqui na nossa frente. E não são nada de se rir. Ontem á noite, se eu não lhe tivesse agarrado o braço, você teria andado naquela ponte, quisesse ou não. E, antes disso, tive de protegê-lo do vento que o estava procurando.

(…)

Esta é a natureza do poder. Como lhe disse, o poder o comanda e, no entanto está sob seu comando. Ontem, por exemplo, o poder o teria forçado a atravessar a ponte e depois teria ficado sob suas ordens para sustentá-lo enquanto você caminhasse Eu o fiz parar porque sei que você não tem meios de utilizar o poder e, sem esse poder, a ponte desmoronaria.

– Também viu uma ponte de névoa, dom Juan?

– Não, só vi o poder. Pode ter sido qualquer coisa. O poder pra você, desta feita, foi uma ponte.

-Já viu uma ponte de névoa, dom Juan?

– Nunca. Mas isso é porque não somos semelhantes. Vejo outras coisas. Minhas batalhas de poder são muito diferentes das suas.

– O que foi que viu, dom Juan? Pode me contar?

– Vi meus inimigos na minha frente na minha primeira batalha de poder na névoa. Você não tem inimigos. Não odeia as pessoas. Eu odiava naquela época. Tinha o capricho de odiar as pessoas. Não sou mais dado a isso. Venci meu ódio, mas naquela época meu ódio quase me destruiu.

Sua batalha de poder, ao contrário, foi bela. Não o consumiu. Agora é que está se consumindo com seus pensamentos idiotas e dúvidas. É sua maneira de ter caprichos. A névoa foi impecável com você, que tem afinidade com ela. Deu-lhe uma ponte estupenda, e aquela ponte estará ali na névoa, de hoje em diante. Ela se revelará a você várias vezes até que um dia terá de atravessá-la. Recomendo assim que de hoje em diante não esteja sozinho em regiões de nevoeiro, até que saiba o que está fazendo.

(…)

– O que acontece se a gente não tem suficiente poder numa batalha dessas?

– A morte como sempre estará á espreita, e quando o poder do guerreiro definha, a morte simplesmente o alcançará. Assim, aventurar-se pelo desconhecido sem poder e sobriedade, é burrice. A pessoa só encontrará a morte.

Não se esforce tentando decifrar o mundo, pois o mundo é um mistério. Isto, o que você está olhando, não é tudo o que existe. O mundo é muito mais que isso, tão mais que chega a ser indecifrável e infindável. Por isso, quando você tenta decifrá-lo, só o que faz é tentar tornar o mundo conhecido. Nós estamos bem aqui, no mundo que você chama de real, apenas porque nós dois concordamos. Não conhece o mundo do poder na segunda atenção e, portanto, não o pode transformar em cena conhecida. Se tivesse seguido minhas instruções e praticado todos os atos que lhe repassei, a essa altura já teria poder suficiente pra atravessar aquela ponte, poder suficiente para Ver e Parar-O-Mundo.

(…)

– Mas por que alguém haveria de querer parar o mundo?

– Ninguém quer, é essa a questão. Mas pode acontecer. E uma vez que você sabe como é parar-o-mundo, entende que há uma intenção nisso. Sabe, uma das artes do guerreiro é fazer o mundo desmoronar por um motivo específico de sua vontade e, depois, tornar a restaurá-lo a fim de continuar a viver.

(…)

Já lhe ensinei quase tudo o que um guerreiro precisa saber para sair pelo mundo e armazenar poder aos poucos e sozinho. Mas sei que não é capaz de agir assim, então tenho de ter paciência com você. Sei por experiência, que é uma luta da vida toda ficar-se sozinho no mundo do poder.

Dom Juan então olhou para o céu e as montanhas. O Sol já estava descendo para o oeste e as nuvens de chuva se formavam rapidamente nas montanhas. Eu não sabia que horas eram; tinha esquecido de dar corda no relógio. Perguntei se ele sabia dizer-me as horas, e ele teve um tal acesso de riso que rolou da pedra pra dentro das moitas. Em seguida, levantou-se e esticou os braços bocejando. “

(Viagem a Ixtlan, Carlos Castañeda)

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