“O Segundo centro abstrato das histórias de feitiçaria do Abstrato é chamado ´Assalto do Espírito`. O primeiro centro, ´as manifestações do espírito´, é o edifício que o Intento constrói e coloca diante de um pretendente a guerreiro, convidando-o a entrar. É o edifício do Intento visto por um feiticeiro. O assalto do espírito é o mesmo edifício visto pelo iniciante que é convidado, ou melhor, forçado a entrar.

Este segundo cerne abstrato poderia ser uma história em si mesmo. Segundo a história, depois que o espírito se manifestou àquele homem sobre o qual conversamos ( nota: já publicamos o primeiro cerne abstrato e está fixado na página do grupo), o espírito armou uma armadilha para o homem. Era um subterfúgio final, não porque o homem fosse especial, mas porque a incompreensível cadeia de evento do espírito tornou aquele homem disponível no exato momento que o espírito bateu à porta.

Não é preciso dizer que seja o que for que o espírito revelou àquele homem não fez sentido para este. Com efeito, ia de encontro a tudo o que o homem sabia, tudo o que era. O homem, naturalmente, recusou-se de imediato, e não em termos incertos, a ter qualquer coisa a ver com o espírito. Não ia deixar-se cair por tal arrematada besteira. Sabia melhor o que fazer. A resultante desse conflito se tornou um beco sem saída total.

Posso lhe dizer que essa é uma história idiota, e que o que dei-lhe é um pacificador para aqueles que se sentem desconfortáveis com o silêncio do abstrato.”

(…)

Dom Juan lembrou-me de que eu sempre insistira em tentar descobrir a ordem subjacente em tudo o que me dizia. Pensei que me estivesse criticando por minha tentativa de transformar tudo o que me ensinava num problema de ciência social. Comecei a dizer-lhe que minha opinião havia mudado sob sua influência. Ele me deteve e sorriu:

– Você realmente não pensa muito bem – disse ele e suspirou. – Quero que compreenda a ordem subjacente do que lhe ensino. Minha objeção é quanto ao que você pensa ser a ordem subjacente. Pra você, esta significa procedimentos secretos ou uma consideração oculta. Pra mim, significa duas coisas: tanto o edifício que o intento constrói num piscar de olhos e coloca diante de nós para percorrê-lo, e também os sinais que nos dá de modo a que não nos percamos quando estamos dentro.

– Repito – disse ele, como se fosse um professor forçando seus alunos – Lhe repassei o primeiro cerne abstrato nas ´Manifestações do Espírito´, e obviamente o que os feiticeiros reconhecem como um cerne abstrato é o que os vidente conhecem como ´edifício do intento´, ou a ´voz silenciosa do espírito´, ou ´arranjo ulterior do abstrato´.
Então dom Juan disse que ´ulterior´ significava ´conhecimento sem palavra´, fora da nossa compreensão imediata. Concebeu que a compreensão à qual estava se referindo estava somente além das minhas aptidões do momento, mas não além de minhas possibilidades últimas de compreensão fora da sintaxe.

– Em algum dia- continuou – o próprio arranjo ulterior do abstrato, que é o conhecimento sem palavras, ou o edifício do Intento inerente às histórias, será então revelado a você pelas próprias histórias. O arranjo ulterior do abstrato não é apenas a ordem na qual os cernes abstratos foram apresentados a você, ou o que eles tem em comum, ou mesmo a teia que os reúne. Em lugar disso é: ´conhecer diretamente, sem intervenção da sintaxe do discurso mental e falado, através do conhecimento silencioso.

Dom Juan repetiu que o ponto crucial de nossa dificuldade em voltar ao Abstrato era nossa recusa em aceitar que podíamos saber sem palavras e sem pensamentos, de forma direta. Conhecimento e a descrição são separados.

– Reviver o elo de um aprendiz com o espírito que é inconcebível, é o trabalho mais intrigante e desafiador de um nagual – continuou dom Juan – e uma de suas maiores dores de cabeça também. Dependendo, é claro, da personalidade do aprendiz, os desígnios do espírito são, ou sublimamente simples ou os mais complexos labirintos.

Explicou que um nagual pode ser um ´conduto´apenas depois que o espírito tenha manifestado sua intenção de ser despertado – seja quase imperceptívelmente ou através de comandos diretos,como fora o meu caso, quando meu benfeitor me encontrou alvejado na beira de uma estrada. Os naguais sabem que quanto mais difícil é o comando, tanto mais difícil se revela o aprendiz. Dessa maneira, não era possível para um nagual escolher seus aprendizes de acordo com sua própria volição ou seus próprios cálculos. Mas, uma vez que a disposição do espírito era revelada por presságios consistentes, o nagual não poupava esforços para satisfazer o intento. Após uma vida inteira de prática, os naguais sabem se o espírito está os convidando pra entrarem no edifício que está sendo exibido à sua frente. Aprenderam a disciplinar seus elos de conexão ao Intento. Assim, são sempre prevenidos, sempre sabem o que o espírito tem reservado para eles.

Dom Juan continuou dizendo que o elo de conexão do homem comum com o Intento está praticamente morto, e os feiticeiros começam com um elo que é inútil, porque não responde voluntariamente. O progresso ao longo do caminho dos feiticeiros era, em geral, um processo drástico cujo propósito era colocar em ordem este elo de conexão.

Salientou que para reviver este elo, os feiticeiros necessitam de um propósito feroz e rigoroso,- um estado mental chamado intento inflexivo. Então alcançar o comando do Ver e do Sonhar.

Uma vez que o elo é revivido, o pretendente não é mais um aprendiz, mas até esse momento, para manter-se em movimento, necessita de um propósito ferrenho, o qual naturalmente ainda não possui. Assim, permitindo que o nagual proporcione o propósito que seja necessário para renunciar a sua individualidade. Esta é a parte difícil.”

(O Poder do Silêncio, Carlos Castañeda)
(Créditos pela digitação: Dinarte)

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