Florinda Donner é uma colega de longa data e companheira viajante-de-sonhos de Carlos Castañeda e a aclamada autora de Sonho da Bruxa e Shabono. Seu último livro, Ser-no-Ensonhar: Uma iniciação no mundo dos Feiticeiros (aqui traduzido como Sonhos Lúcidos), um relato autobiográfico de sua hesitante, às vezes involuntária, muitas vezes desconcertante iniciação nos trabalhos de ser-no-ensonhar, foi recentemente lançado e estará disponível no Canadá no versão. Antropóloga e feiticeira, Florinda Donner vive em Los Angeles, Califórnia e Sonora, México.

Alexander Blair-Ewart: Então, no começo do livro, você fala sobre como você foi atraída pra dentro de um mito vivo. Pode falar sobre esta mitologia?

Florinda Donner: É um mito vivo. Bem o mito do Nagual é um mito, mas um mito sendo revivido de novo e de novo. Veja, o mito que existe é o mito de que há o Nagual e que ele tem sua trupe de gente, aprendizes, feiticeiros. Na verdade eu não sou uma aprendiz de Dom Juan. Eu sou uma aprendiz de Castañeda que foi um aprendiz de dom Juan. E eu sou uma das “irmãs” que foram na verdade das mulheres da Florinda, e ela me deu seu nome. Então, nesse sentido, é um mito que existe. Elas não se importavam que eu as chamasse de bruxas. Não tem uma conotação maligna pra elas. Do ponto de vista ocidental, a ideia do brujo, ou a bruxa, sempre tem uma conotação negativa. Elas não se importariam menos, porque pra essa gente, a qualidade abstrata da feitiçaria esvazia automaticamente qualquer conotação positiva ou negativa do termo. Nós somos macacos em um nível, mas nós temos esse outro lado mágico. Nesse sentido revivemos um mito.

Abe: Então o mito do Nagual é de que há uma linhagem ininterrupta desde os antigos Toltecas até os tempos modernos. Eu me pergunto se você poderia falar sobre o que é realmente o padrão do mito?

Florinda: Bem, não há um padrão do mito. É por isso que a coisa toda é tão desconcertante e difícil. Quando eu me envolvi com essa gente pela primeira vez minha principal busca, minha principal aberração, como eu vim a chamá-la depois, era que eu queria ter algumas regras e regulamentos sobre o que diabos é que eu tinha que fazer. Não havia nenhuma. Não há nenhum modelo. Porque cada grupo tem que achar seu próprio jeito de lidar com essa ideia de tentar quebrar as barreiras da percepção. O único jeito de quebrarmos as barreiras da percepção, de acordo com dom Juan, é que precisamos de energia. Toda nossa energia já está empregada no mundo pra apresentar a ideia do eu – o que nós somos, quem queremos dar a impressão de ser, como os outros nos percebem. Então dom Juan diz que 90% da nossa energia é empregada em fazer isso, e nada novo pode chegar até nós. Não há nada aberto pra nós, porque não importa quão “sem ego” sejamos, ou finjamos ser, ou queiramos acreditar que somos, não somos. Até digamos pessoas “iluminadas”, ou gurus que eu conheci – ouve uma vez que Carlos Castañeda estava atrás de encontrar gurus – e o ego dessas pessoas era tão gigante, em como eles queriam ser percebidos no mundo. E isso é, de acordo com dom Juan, exatamente o que nos mata. Nada mais está aberto pra nós.

Abe: Um verdadeiro Nagual, um verdadeiro vidente não se importaria com como o mundo o percebe, particularmente, não é?

Florinda: Não, não se importam. Mas eles ainda tem que lutar. Castañeda tem estado nisso há trinta anos. Eu tenho estado nisso por mais ou menos vinte anos, e prossegue; isso não pra.

Abe: Qual a natureza dessa batalha? Por que você usa a linguagem do guerreiro. Qual a natureza dessa batalha? Com o que vocês estão lutando?

Florinda: O eu.

Abe: O eu.

Florinda: Não é nem sequer o eu; é a ideia do eu, porque se nós realmente captássemos o eu por debaixo da superfície, nós não sabemos realmente o que é. E é possível restringir essa ideia, essa bombástica ideia que temos do eu. Porque não importa realmente se é uma ideia negativa ou uma ideia positiva. A energia empregada em sustentar a ideia é a mesma.

Abe: Então há uma tremenda ênfase nessa tradição em superar o que é chamado de auto-importância.

Florinda: Auto-importância, exatamente. Essa é a batalha principal. Desligar esse diálogo interno. Porque mesmo se nos isolamos em algum lugar, ainda estamos constantemente falando conosco mesmas. Esse diálogo interno nunca pra. E o que o diálogo interno faz? Ele sempre justifica a si mesmo, não importa o quê. Nós repetimos coisas, eventos, o que nós poderíamos ter dito e poderíamos ter feito, o que nós sentimos ou não sentimos. A ênfase é sempre no eu. Estamos constantemente lançando este mantra – eu… eu… eu…, silenciosamente ou verbalmente.

Abe: Então, a abertura emerge quando…

Florinda: … quando esse diálogo desliga. Automaticamente. Não precisamos fazer algo. E a razão pela qual as pessoas rejeitam Castañeda como não sendo verdadeiro é porque é simples demais. Mas sua própria simplicidade faz disso a coisa mais difícil que há pra nós. Há por volta de seis pessoas no nosso mundo engajadas nesta mesma busca. E a dificuldade que todas nós temos é desligar totalmente o diálogo interno. É tranquilo se não estamos sendo ameaçadas. Mas quando alguns botões são apertados, nossas reações são tão arraigadas em nós que é muito fácil voltar ao piloto automático. Veja, há um grande exercicio que dom Juan prescreve – a ideia da recapitulação. A ideia é que você recapitule sua vida, basicamente. E não é uma recapitulação psicológica. Você quer trazer de volta a energia que você deixou em todas as interações que você teve com pessoas ao longo de sua vida, e você começa, claro do momento presente e você vai retrocedendo no tempo. Mas se você realmente faz uma boa recapitulação, você descobre, pelo tempo que você tem três ou quatro anos de idade, você já aprendeu todas as suas reações básicas. Então nos tornamos mais sofisticados, nós podemos escondê-las melhor, mas basicamente o padrão já está estabelecido, como iremos interagir com o mundo e com nossos semelhantes seres humanos.

Abe: Então aqui está a imagem, ou a conscientização de um tipo de ser humano que está trilhando um caminho pralelo ao mundo do Tonal, ou o mundo da pessoa, a pessoa social. Este outro mundo, sua outra abertura, é algo que aparentemente sempre esteve aí.

Florinda: Sim, sempre esteve aí. Está disponível pra todos nós. Ninguém quer se conectar nisso, as pessoas pensam que querem se conectar a isso, mas como Don Juan apontou, a buscadora está envolvida em algo mais, porque a pessoa que busca já sabe o que está buscando.

Abe: Sim, isso está claro.

Florinda: O desapontamento que tantas pessoas que são “buscadoras” tem com o Castaneda é porque, quando ele fala com elas, bem, elas já tem a sua própria imaginação sobre como as coisas deveriam ser. E não estão abertas. Mesmo se estão escutando, não estão abertas a nada mais, porque elas já sabem como deveria ser, o que é que estão buscando.

Abe: Minha versão disso é que eu não estou interessado em auto-desenvolvimento. Estou interessado na auto-realização, mas não em aperfeiçoamento. Eu não me preocupo se aquilo que eu venha a me tornar no processo da recapitulação é algo legal e espiritual ou aceitável, porque vai conter elementos de loucura como de qualquer outra coisa.

Florinda: Exatamente.

Abe: Mas isso é uma ideia profundamente perturbadora pra maioria das pessoas.

Florinda: É, sim, definitivamente. Veja, nós acreditamos nessa ideia de que somos basicamente seres energéticos. Don Juan disse que tudo depende de quanta energia nós temos. Nossa energia pra lutar, até pra lutar com a ideia de si, requer uma quantidade enorme de energia. E nós sempre vamos pelo caminho mais fácil. Nós voltamos àquilo que sabemos, até nós que temos estamos envolvidas com isso há tanto tempo. Seria muito mais fácil apenas dizer, “ah, pro inferno com isso, sabe, eu só vou ser um pouquinho indulgente”. Mas o negócio é, esse pouquinho de indulgência te mergulharia novamente na estaca zero.

Abe: Exceto por algo que ambos sabemos, Florinda, que é o seguinte: que uma vez que você ultrapassa um certo ponto dentro de si mesmo, se você tiver atingido aquele silêncio, eu creio, nem que por um momento, se for real…

Florinda: … você não pode prar mais. Exatamente. Mas pra alcançar esse momento de silêncio você precisa da energia. Você pode prar, o que Juan chama dessa pausa momentânea, esse centímetro cúbico de chance, e você pode prar a coisa imediatamente.

Abe: E uma vez que acontece, você nunca mais será o mesmo.

Florinda: Absolutamente.

Abe: E você pode querer voltar à sua forma antiga e ser indulgente, mas você não consegue mais tirar satisfação disso.

Florinda: Exatamente. Não, você não pode. Não há satisfação. Isso é totalmente certo. Eu acho, se nós realmente chegássemos… digamos que uma massa crítica chegaria nesse sentimento ou nesse conhecimento, nós podemos mudar as coisas no mundo. A razão pela qual nada pode mudar é porque não estamos dispostos a mudar a nós mesmos, seja um dogma político, questões econômicas ou sociais, não importa. Que diabo é essa coisa toda com o efeito estufa e o meio ambiente no momento? Como podemos esperar que alguém mude se não estamos dispostos a mudar nós mesmos? A mudança é fajuta; a mudança é restruturar ou mudar as peças de lugar, mas não há mudança real. Basicamente somos seres predatórios, entende. Isso não mudou em nós. Nós poderíamos usar essa energia predadora pra mudar nosso rumo, mas não estamos querendo mudar a nós mesmos.

Abe: Agora, no mito, o vidente individual e/ou Nagual é selecionado pela providência, o desconhecido, o inefável.

Florinda:…. de fato selecionado. Carlos foi “plugado” energeticamente. Vamos dar uma olhada na nossa configuração energética… algumas pessoas são basicamente diferentes energeticamente. Chamam Carlos de Nagual de três pontas; Don Juan era um Nagual de quatro-pontas. Então no que isso realmente implica? Basicamente, eles tem mais energia que o resto do grupo, e isso é algo muito curioso. Por que diabos ele, ou por que, por exemplo, os Naguais são sempre homens? Nós temos mulheres Naguais na linhagem, mas os homens sempre tem mais energia, os que foram selecionados até hoje. (Nota do tradutor: as mulheres-naguais não permaneciam como líderes por partirem para a segunda atenção com o grupo anterior, garantindo a atração pra que as cadeias de grupo da linhagem se mantivessem contínuas. Não por terem menos energia.) Eles não são melhores. Havia gente no mundo de Don Juan infinitamente mais espirituais, mais bem preparadas, maiores homens de conhecimento no sentido de que sabiam mais, e isso não fazia diferença alguma. Não é que ele seja mais ou menos do que alguém. É só que ele tem essa energia pra liderar.

Abe: E ele pode dar um pouco dessa energia pra alguém, também, dando lhe um boost.

Florinda: Nós sorvemos dessa energia, sim. Não é que você ganhe essa energia, mas ele tem essa energia, se por nada mais, pra não se tornar o que quer que o mundo apresente. Por exemplo, nesse sentido, tendo estado com Castañeda por tanto tempo, os bens mundanos que lhe foram apresentados são inacreditáveis. Ele nunca vacilou de seu caminho. E eu, pessoalmente, posso dizer agora, que se eu tivesse sido posta nessa posição por tantos anos, eu honestamente não poderia dizer que teria sido tão impecável. E entenda, eu tenho que reconhecer isso, porque a pior coisa que podemos fazer, claro, é tentar esconder certas coisas. E pra mim, ter testemunhado a jornada do Carlos, quero dizer, houveram coisas mundanas incríveis sendo oferecidas a ele que ele nunca aceitou. E pra isso é preciso ter energia, entende. É daí que vem a energia; é aí que você precisa de quem quer que seja o líder do grupo pra te apontar este caminho. Porque se outro alguém fosse o Nagual sem ter essa energia, ele teria sucumbido.

Abe: Pode um Nagual sucumbir e se recuperar?

Florinda: Não. Sem chances.

Abe: Por quê?

Florinda: Volte ao mito. A águia voa em linha reta. Ela não dá voltas. Você pode ser capaz de dizer ok, você tem que correr mais rápido atrás dela. Mas o que isso significa? É uma metáfora.

Abe: Então, o Nagual trabalha de formas diferentes pra realizar o desdobramento do mito.

Florinda: Don Juan tinha mais gente por trás dele. Energeticamente ele tinha uma massa maior, então ele podia praticamente te plugar e te colocar numa posição. Carlos não fará isso. Pra ele, quem quer que sejam as pessoas com quem trabalha, e somos seis ao total, é uma questão de decisão. Isso é tudo. Nossa decisão é tudo o que conta, nada mais. Ele não irá nos enjaular; ele não irá implorar; ele não irá nos dizer o que fazer. Nós temos que saber. Tendo estado exposta a isso por tanto tempo, tendo estado com Don Juan, qualquer forma que pudermos tentar caminhar nesse caminho, tem que ser o suficiente pra ele. Não há nada que ele faria pra garantir à força que nos mantenhamos neste caminho.

Abe: Naguais diferentes funcionam de jeitos diferentes. É verdade o que ouvi, sobre Carlos Castañeda, que ele teria sido descrito como o Nagual dos espreitadores?

Florinda: Sim, mas eu diria… Não sei. Ele é um sonhador.

Abe: É, isso é aparente, também.

Florinda: E depois, o que é essa ideia de ensonhar, sonhar e estar acordada? É um estado diferente. Não é que você está entorpecida. Não, você está totalmente normal e coerente, mas algo em você se comporta energeticamente em um nível diferente.

Abe: Há algo nos seus olhos, também.

Florinda: Sim.

Abe: Algo nos seus olhos que está também a aprender a olhar pra dois mundos simultaneamente.

Florinda: Exatamente. E de novo a ideia é de que você derrubou a barreira da percepção em termos do que nós vemos; o que quer que percebamos foi definido pra nós pela ordem social, não importa o que seja. Intelectualmente estamos dispostos a aceitar que a percepção é definida culturalmente, mas não iremos aceitar isso em nenhum outro nível. E eu só posso dizer, porque nós estivemos envolvidos com esse pessoal – e eu certamente também estou no mundo – é que é possível ver nesses dois níveis e ser totalmente coerente em ambos, e ser impecável em ambos os níveis.

Abe: Fale sobre impecabilidade. O que é impecabilidade?

Florinda: É saber exatamente o que você tem de fazer. Especialmente pra as mulheres, nós somos criadas pra sermos seres muito pequenos. Mulheres são tão pequenas, é inacreditável. E eu não estou dizendo que os homens não sejam, mas com os homens, não importa como queiramos expressar isso, homens estão sempre do lado vitorioso. Não importa se são perdedores ou não, ainda são machos. Nosso mundo é um mundo macho, independente quão bem estejam se saindo ou não, indiferente de se acreditam ou não em qualquer tipo de ideologia feminina, não importa realmente. Os homens são os vencedores da nossa sociedade.

Abe: No livro você fala sobre como mulheres são na prática escravizadas pelo seu apego à sexualidade do homem. Você pode falar sobre isso?

Florinda: Definitivamente. Primeiro de tudo, pra mim, uma das coisas mais chocantes e que eu neguei e me recusei a acreditar por algum tempo, foi essa ideia do nevoeiro criado pela relação sexual. Eles foram ainda mais longe pra explicar que basicamente o que realmente acontece é que, quando temos relações sexuais, quando o macho ejacula, não só obtemos o sêmen, mas naquele momento de explosão energética, o que realmente acontece é que eles são o que Dom Juan chama de “vermes energéticos”, filamentos. E esses filamentos permanecem no corpo. Do ponto de vista biológico, esses filamentos garantem que o macho retorne à mesma fêmea e cuide da prole. O macho reconhecerá que é sua descendência pelos filamentos em um nível energético total.

Abe: Qual é a troca de energia na relação sexual?

Florinda: Ela alimenta o homem energicamente. Don Juan acredita que as mulheres são a pedra angular pra perpetuar a espécie humana, e a maior parte dessa energia vem das mulheres, não apenas pra gestar, pra dar à luz e nutrir seus filhos, mas também pra garantir o lugar do homem em todo o processo.

Abe: Então, a mulher é escravizada por esse nevoeiro. Como ela se solta?

Florinda: Se falamos sobre isso do ponto de vista biológico, ela é escravizada? Os feiticeiros dizem sim, no sentido de que ela sempre se vê através do macho. Ela não tem opção. Eu costumava ficar terrivelmente enlouquecida com toda essa discussão; Eu costumava repeti-la com eles uma e outra vez, especialmente porque isso aconteceu no início dos anos setenta, quando o movimento das mulheres estava no auge. E eu disse “Não, as mulheres percorreram um longo caminho. Veja o que elas realizaram”, e elas disseram: “Não, elas não realizaram nada”. Pra eles, a revolução sexual – e eles não eram puritanos – não estavam interessados em moralidade, só estavam interessados em energia – eles diziam que, pra as mulheres, serem libertadas sexualmente, de certo modo, as escravizou ainda mais, porque de repente elas estavam alimentando energeticamente não apenas um macho, mas muitos machos.

Abe: Isso é interessante.

Florinda: Então, pra eles, era absurdo, e o que quer que esteja acontecendo no momento, ele previu isso nos anos setenta. Ele disse que elas vão mergulhar em seus narizes. Elas vão ser enfraquecidas. E elas estão. As poucas mulheres com quem conversei – eu dei algumas palestras, pelos livros – e quando eu falei sobre isso, é muito interessante que as mulheres concordam. E primeiro, pensei que teria muita dificuldade com esse assunto, mas especialmente as mulheres que passaram pelo processo de ter vários amantes disseram que estavam exaustas e não sabiam por quê.

Abe: Então estamos falando de algo além do sexual.

Florinda: Originalmente, além do aspecto sexual, a fêmea, o útero, assegura que a mulher é a que está mais próxima do espírito nesse processo de abordar o conhecimento como estar-ensonhando. O homem se inclina pra cima e, pela simples definição do cone, chega a um fim finito. É uma força energética. Ele se esforça porque não está perto do espírito, ou o que quisermos chamar de grande força energética lá fora. De acordo com os feiticeiros, a mulher é exatamente o oposto. O cone está de cabeça pra baixo. Eles têm uma ligação direta com ele, porque o útero pra o feiticeiro não é apenas um órgão de reprodução; é um órgão pra ensonhos, um segundo cérebro.

Abe: ou coração.

Florinda: Ou coração, e eles apreendem o conhecimento diretamente. No entanto, nunca nos foi permitido definir o que é conhecimento em nossa sociedade ou em qualquer sociedade. E as mulheres que criam ou ajudam a formular o corpo do conhecimento, isso tem que ser feito em termos masculinos. Vamos dizer que uma mulher faz pesquisa. Se elas não cumprirem as regras já estabelecidas pelo consenso masculino, não serão publicados. Eles podem desviar um pouco, mas sempre dentro dessa mesma matriz. Não é permitido que as mulheres façam qualquer outra coisa.

Abe: Então a feiticeira é removida desse hipnotismo.

Florinda: Do social, sim. É muito interessante que você mencione a ideia do hipnotismo, porque Don Juan sempre disse na época em que a psicologia produziu Freud, nós éramos passivos demais. Teríamos seguido Mesmer ou Freud. Somos seres mesméricos. Nós nunca desenvolvemos esse outro caminho …

Abe: Sim. O caminho da energia.

Florinda: … e isso nunca teria acontecido conosco se a balança não tivesse pendido pro lado de Freud.

Abe: Bem, ele perdeu agora.

Florinda: Não, na verdade não, porque com tudo que fazemos, quem sabe quantas gerações são necessárias? Vamos dizer que ele foi desacreditado intelectualmente, mas toda a nossa bagagem cultural … Nós ainda falamos nesses termos, até pessoas que nem sabem quem é Freud. Faz parte da nossa língua, nossa cultura.

Abe: Sim, eu sei. É muito frustrante lidar com pessoas que abordam toda a realidade a partir desse ponto de vista psicológico banal.

Florinda: Sim. E eles nem sabem de onde vem. Faz parte da nossa bagagem cultural.

Abe: Então a feiticeira está livre desta condição.

Florinda: Bem, livre no sentido de que uma vez que você veja o que a ordem social realmente é – é um acordo – pelo menos você é mais cautelosa em aceitar isso. As pessoas dizem: “Oh, mas veja como a vida é diferente do tempo da sua avó ou mãe”. Eu digo, não é. É apenas diferente em graus. Mas nada é diferente. Se eu tivesse vivido a minha vida como tinha sido estabelecido pra mim … sim, eu fui mais educada, tive uma chance melhor. Mas isso é tudo. Eu ainda teria terminado da mesma forma que elas acabaram. Casada, frustrada, com filhos que a essa altura provavelmente odiaria, ou eles me odiariam.

Abe: Eu continuo tentando fazer você agora cruzar essa linha, e falar sobre o que ocorre agora que você percebeu que há essa escravidão e você começa a se libertar dela. O que é isso que abre pra a percepção?

Florinda: Tudo.

Abe: Tudo. Boa.

Florinda: Primeiro de tudo, nos seus sonhos você pode ver. Por exemplo, meu trabalho é feito ensonhando. Não que eu não tenha que fazer o trabalho, mas vem sonhando.

Abe: Agora você está usando a palavra sonhando neste sentido muito específico, que é nessa tradição. Você pode falar sobre o que realmente é sonhar ou ensonhar?

Florinda: No sentido tradicional, quando dormimos, assim que começamos a entrar em um sonho, no momento em que estamos meio acordados e meio adormecidos, e ainda conscientes, você sabe do trabalho de Castaneda que o ponto de aglutinação flutua. , ele começa a mudar, e o que o feiticeiro quer fazer é que ele quer usar essa mudança natural (que acontece com cada um de nós) pra mudar pra outros reinos. E pra isso você precisa de uma energia requintada. Mais uma vez, tudo se resume a energia. Precisamos de uma quantidade extraordinária de energia, porque você quer estar consciente desse momento e usá-lo sem acordar.

Abe: Sim, uma conquista muito alta.

Florinda: Pra mim é muito fácil de acessar, de utilizar isso. O negócio é que eu não tinha controle naquela época – embora eu tenha agora – de quando isso iria acontecer. Mas eu poderia me concentrar nesse estado do que eles chamam … Quero dizer, as mulheres não estavam interessadas em chamá-lo de “segunda atenção”; eles estavam interessados em chamar isso de “sonhar acordado”, porque é a mesma coisa. E você alcançaria níveis diferentes, e o que você faz é que nesse estado de sonho, eventualmente, você tem o mesmo controle que você tem em sua vida diária. E é exatamente isso que os feiticeiros fazem. É a mesma coisa; não há mais diferença.

Abe: Então você agora é capaz de existir em outra realidade?

Florinda: Bem, eu realmente não sei. Veja, nós não temos a linguagem pra falar sobre isso, exceto pra falar sobre isso em termos conhecidos. Então, de uma maneira estranha, quando me pergunto: “Eu existo em outra realidade?”, Sim e não. Não é muito certo dizer isso, porque é uma só realidade. Não há diferença. Digamos que existam camadas diferentes, como uma cebola. Mas é tudo a mesma coisa. E isso se torna muito bizarro. Como vou falar sobre isso? Nas metáforas? Nossas metáforas já estão definidas pelo que já sabemos.

Abe: Sim, o problema da linguagem.

Florinda: Você vê que não temos a linguagem pra realmente falar sobre o que realmente acontece quando você está na ‘segunda atenção’, ou quando ‘sonhamos acordadas’. Mas é tão real quanto qualquer outra realidade. O que é realidade? É, novamente, um consenso. E você vê, a coisa é, nós só queremos concordar sobre isso intelectualmente em um nível. Mas é mais do que apenas um acordo intelectual. Vamos dizer, pode ser mais. E pra isso, novamente, voltamos à mesma coisa – tudo depende de energia.

Abe: Isso mesmo. Mas também depende de algo chamado ‘intento’.

Florinda: Exatamente. Mas pra se agarrar ao ‘intento’ … Veja, ‘intento’ está lá fora, é essa força – Don Juan não estava interessado em religião – mas, de uma forma estranha talvez seja exatamente o que chamamos de Deus, o ser supremo, a única força, o espírito. Cada cultura sabe o que é, entende. E a coisa é, Don Juan, novamente, disse que você não implora por isso. Você pede e, pra pedir, precisa de energia. Porque você não precisa apenas de energia pra se enganchar nele, mas pra permanecer enganchada.

Abe: Então, essa coisa de intento, quero dizer, é uma palavra fácil de dizer, mas na verdade é uma operação bastante complexa.

Florinda: Sim, exatamente, muito complexa. Pra Don Juan e seu pessoal, pra falar sobre feitiçaria e bruxaria, com todas essas conotações negativas, eles não davam a mínima pro que chamamos de práticas. Pra eles, era muito abstrato. Pra eles, a feitiçaria é uma abstração, e foi essa ideia de expandir os limites da percepção. Porque, pra eles, nossas escolhas na vida são limitadas pela ordem social. Temos opções ilimitadas, mas ao aceitar essas escolhas, é claro, estabelecemos um limite pra nossas possibilidades ilimitadas.

Abe: E, no entanto, o ser humano parece …

Florinda: … constantemente procurando por aquilo que foi …

Abe: … perdido …

Florinda: … perdido ou enjaulado pela ordem social. Eles nos cegam no momento em que nascemos. Veja como coagimos a criança a perceber o modo como percebemos.

Abe: Sim, a transmissão da cultura.

Florinda: É o exemplo mais perfeito. As crianças realmente percebem mais, obviamente, muito mais. Mas elas têm que fazer alguma ordem a partir desse caos, e nós, é claro, somos os professores perenes do que é próprio de se perceber dentro do nosso grupo. E se elas não obedecerem a isso, meu deus, nós entupimos elas com drogas, ou trancamos em terapias com psiquiatras.

Abe: Tem havido essas tradições, que existem há muito, muito tempo, e agora, nos últimos, digamos, vinte ou trinta anos em particular, começamos a ouvir sobre elas. Por que Castañeda escreveu seus livros?

Florinda: Porque era uma tarefa; foi uma tarefa de bruxaria. Que Don Juan impressionou nele. Castaneda é o último de sua linhagem. Não há mais ninguém. Há um grupo de índios com quem trabalhamos. Sabe, don Juan, de uma maneira esquisita, quase cometeu um erro com Castaneda, quando foi posto em contato pela primeira vez, qualquer que fosse o desígnio ou o poder do espírito que colocou Don Juan cara a cara com Castaneda. E ele se recuperou imediatamente. Seu círculo de aprendizes – e eu acho que está em Porta para o Infinito e Segundo Circulo do Poder, quando ele fala sobre as pessoas em Oaxaca e as Irmãzinhas e todas aquelas pessoas. E então, anos depois, Don Juan percebe que não é por este caminho que Castaneda está indo. Castaneda era ainda mais abstrato que Don Juan. Seu caminho era um caminho totalmente diferente. E então, quando ele reuniu essas outras pessoas, porque as pessoas que estão com Castaneda hoje, todos nos encontramos com Don Juan antes de nos encontrarmos com Castaneda. Na verdade, havia apenas cinco de nós antes – quatro de nós e Castaneda.

Abe: Então, havia a tarefa do bruxaria de escrever os livros. Onde estou tentando chegar é que, esse conhecimento se tornou disponível para milhões de pessoas nesta forma. Qual o propósito disso?

Florinda: Bem, alguém tem que ser fisgado por isso. E as pessoas são. Para nós, para nossa mentalidade como macacos ocidentais, Don Juan sempre nos chamou, você vê, nós temos que ser fisgados primeiro intelectualmente, porque obviamente é assim que todo o nosso ser funciona. Quando eu estava na escola, eu estava apenas a um passo de ir para a pós-graduação, e eu estava neste mundo há dois ou três anos, e eu disse: “O que eu estou fazendo continuando a escola?” É absolutamente redundante. “E Don Juan e todas as mulheres disseram que absolutamente não é redundante, porque para rejeitar algo você tem que entender isso da maneira mais sofisticada. Porque você diz que não está interessado em filosofia, ou não está interessado em antropologia, não tem sentido Você só pode dizer isso depois de ter feito isso. Não há razão para rejeitá-lo, e ao mergulhar neste mundo de ‘segunda atenção’ e ‘sonhar acordado’, sua mente tem que estar bem treinada para você emergir novamente, saia com o conhecimento, porque se você não tem o cérebro ou a mente para fazê-lo, você pode muito bem atirar pedras no deserto, porque não tem sentido, e para eles era extremamente importante que todos nós estivéssemos muito bem. Todos os que trabalham neste pequeno grupo têm um diploma. São historiadores, antropólogos, bibliotecários.

Abe: Então, havia a tarefa de feitiçaria de escrever os livros. Aonde estou tentando chegar é que esse conhecimento se tornou disponível agora e está disponível para milhões de pessoas nesta forma. Qual o propósito disso?

Florinda: Bem, alguém tem que ser fisgado por isso. E as pessoas são. Para nós, para nossa mentalidade enquanto macacos ocidentais, como Don Juan sempre nos chamou, nós temos que ser fisgados primeiro intelectualmente, percebe, porque obviamente é assim que todo o nosso ser funciona. Quando eu estava na universidade, eu estava apenas a um passo de entrar na pós-graduação, e eu estava neste mundo do nagualismo há dois ou três anos, e eu disse: “O que eu estou fazendo continuando a universidade? Por que eu deveria obter um doutorado?” É absolutamente redundante “. E Don Juan e todas as mulheres disseram que absolutamente não é redundante, porque, para rejeitar algo, é preciso entendê-lo da maneira mais sofisticada. Porque para você dizer que não está interessado em filosofia, ou não está interessado em antropologia, não tem sentido. Você só pode dizer isso depois de ter feito pelo menos alguma tentativa de entender essas coisas. Não há razão para rejeitá-las, e ao mergulhar neste mundo da “segunda atenção” e “sonhar acordado”, sua mente tem que estar tão bem treinada para você emergir novamente, para sair com o conhecimento. Porque se você não tem o cérebro ou a mente para fazê-lo, você pode simplesmente ir jogar pedras no deserto; porque não tem nenhum sentido. E para eles era extremamente importante que todos nós estivéssemos muito bem treinados. Todo mundo que trabalha nesse pequeno grupo tem um diploma. Existem historiadores, antropólogos, bibliotecários.

Abe: Então, o conhecimento é disponibilizado para milhões de pessoas, e as pessoas são fisgadas por ele.

Florinda: Em um nível, elas são, sim.

Abe: E isso significa que a tradição agora começou a se proliferar dessa maneira também?

Florinda: Eu não sei. Se eu passar pelo correio de Castaneda, que ele não lê, eu diria que sim. Mas então, a maioria das coisas … quero dizer que abro cartas de vez em quando, e elas são loucas, são malucos na maioria delas. Algumas delas são perguntas muito, muito sérias, e a maioria delas são apenas pessoas verdadeiramente piradas. (risos) Quero dizer, elas estão piradas. Tipo: “Eu sou o novo Nagual”. ou “Eu fui visitado por você em sonhos.” Quero dizer coisas realmente bizarras.

Abe: Bem, existem muitos níveis para isso, como você sabe. Mas acho que vocês mulheres, vocês, feiticeiras, e toda a realidade de Castañeda realmente afetaram a consciência coletiva das massas, particularmente da América do Norte.

Florinda: É como você diz; o trabalho está lá fora. Há muita gente lendo isso. E algumas pessoas realmente são muito sérias a respeito.

Abe: E algumas delas são pessoas não nativas que se envolveram na espiritualidade nativa. De certa forma, o trabalho que veio do seu grupo teve um tremendo efeito de aceleração nas espiritualidades nativas em todo este continente, que encontraram uma trilha de volta às suas tradições.

Florinda: Veja, o ponto de Don Juan é que você não volta, porque somos pegos novamente no mito e nos rituais. E para Don Juan, mitos e rituais … mitos no sentido de que sim, que você é parte dessa matriz, mas não no sentido de que você vai viver invocando certos rituais, certos poderes que eram, digamos, bem sucedidos no século XIX. Porque, ele disse, essa é exatamente a falácia, porque originalmente um ritual serve apenas para fisgar sua atenção. Uma vez que sua atenção está fisgada, você esquece o ritual. Como os macacos que somos, é claro que somos muito reconfortados pelos rituais. As pessoas que realmente transcendem um certo conhecimento o fazem exatamente saindo fora disso. No entanto, o restante das massas é hipnotizado pelo ritual.

Abe: Vendo a verdade disso e o fato de que Castaneda descreve vocês como os novos videntes, como isso emerge?

Florinda: Os novos videntes? Para as mulheres, é muito importante essa ideia de que o útero não é apenas um órgão de reprodução. Para poder ativar isso, nossa intenção tem que ser diferente. Para mudar nossa intenção, voltamos novamente à energia. Entende, nós realmente não sabemos o que significa usar o útero como um órgão para ser, um órgão de luz, de intuição. Para nós, a intuição é realmente algo que já foi definido. Não há mais intuição real, porque intuímos com nossos cérebros. Don Juan estava interessado em mulheres, e as pessoas sempre perguntavam: “Bem, como é que sempre há tantas mulheres? Vocês têm orgias? Há todo tipo de coisa acontecendo?” Ele dizia: “Não, é porque o homem não tem o útero. Ele precisa desse poder mágico do útero” (risos). “É muito importante, entende.

Abe: Deixe-me fazer algumas perguntas técnicas, se eu puder, em nome das minhas leitoras. O útero tem que estar funcionando plenamente? Quer dizer, se uma mulher tivesse seus tubos amarrados, seu útero ainda funcionaria?

Florinda: Sim, desde que ela não tenha uma histerectomia.

Abe: Enquanto o útero não for removido …

Florinda: … se o útero estiver lá, sim.

Abe: Então pode funcionar.

Florinda: Ah, absolutamente. Mas a única coisa é que você precisa invocar essa intenção. Como alguns dos cultos da Deusa – “Quando Deus era uma mulher” – e eu estava conversando com algumas mulheres há um mês, e elas estavam todas em grupos de deusa. E todo mês elas vão para a floresta; elas entram na floresta, entre as árvores, e oh, elas se divertem muito, debatendo, fazendo rituais no rio. E eu disse: “Mas o que diabos vocês estão fazendo? Vocês voltam pra casa, e então vocês são as mesmas idiotas que vocês sempre foram. Vocês abrem as pernas sempre que o mestre diz” eu preciso de você ” E elas ficaram chocadas. Quero dizer, eles se desagradam bastante comigo, porque não gostam de ouvir isso. Elas disseram: “Mas nos sentimos muito bem por três dias”. E eu disse: “Mas qual é o sentido de se sentir bem por três dias se a sua vida continua do mesmo jeito?” Do que estamos descansando? Porque a nossa vida vai continuar. Por que não mudamos? Essa ideia dos rituais e até mesmo de voltar às crenças nativas, não funcionou nem mesmo no passado, em um certo nível. Nós fomos conquistados.

Abe: Então é algo que tem que ser vivido agora de uma maneira completamente autêntica.

Florinda: Tem que ser fluido, e o praticante precisa ser fluido para aceitar essas mudanças. Mesmo dentro de nós, as coisas estão mudando constantemente, e estamos tão confortáveis em um certo ritmo, até que algo nos exploda. E nos ressentimos, mas temos que ser fluidos. Só a energia nos dará essa fluidez.

Abe: Como você acumula energia?

Florinda: Para começar, pelo menos no começo, a ideia de Don Juan era de que a melhor energia que temos é a nossa energia sexual. É a única energia que realmente temos e a maior parte de nossa energia sexual é desperdiçada.

Abe: Agora, funciona da mesma forma para homens e mulheres?

Florinda: Claro que sim. A única coisa é com as mulheres é que você vê que energeticamente a mulher assume o fardo de alimentar o homem através de seus filamentos energéticos. Então, nesse sentido, é pior para as mulheres. E para o homem também, porque o homem está fisgado. Energeticamente ele é fisgado, não importa o que aconteça. E nós temos todos os tipos de explicações psicológicas. Pessoas com quem tivemos casos, e não podemos tirá-las de nossas mentes, ou o que seja. Percebe, nós temos essa barragem cinza de descrição, mas o que realmente está acontecendo é em um nível totalmente diferente que nós não queremos falar porque não faz parte do nosso kit cultural.

Abe: O principal meio de acumular energia, então, é ser celibatário?

Florinda: Bem, é muito difícil, mas seria uma boa tentativa, pelo menos começar.

Abe: Se uma mulher fosse chamada para esse caminho, se ela fosse fisgada, ou se um homem fosse fisgado por essa tradição, como eles saberiam? Como eles saberiam que tinham sido fisgados por uma tradição e não apenas por alguma maldita obsessão?

Florinda: Por exemplo, os livros de Castaneda são bem claros … se você ler os livros de Castaneda com cuidado, eles são quase manuais.

Abe: Sim, eu sei. E você os lê de novo e de novo, e você finalmente entende do que eles estão falando

Florinda: Você vai saber que algo mudou, porque você vai sentir isso energicamente. E então há toda essa ideia de que você pode abandonar essa ideia do eu. Não é que você vai rir dos outros. Mas você os acha desprezíveis, e ainda assim não quer julgá-los, porque quem diabos somos nós para julgar alguém de qualquer maneira? Mas você sabe que você não faz parte disso, no sentido do acordo social, e é quase como uma parte falsa de você que está se apegando a você, porque você tem que funcionar no mundo. Você tem que apresentar uma ideia coerente do eu. Você sabe, Don Juan sempre disse que se alguma mudança verdadeira ocorreu, não há como ser rejeitada, seja lá o que signifique ser rejeitada. Eu não sei. Pelo Intento entrando em contato conosco? Eu realmente não sei. Houve duas pessoas que entraram em contato conosco e estão lá. Quero dizer, nunca estamos juntos de qualquer maneira; cada pessoa vive sozinha, e de vez em quando nós nos reunimos. Originalmente, tínhamos essa turma pequena quando Castaneda estava aqui. Ele ensina certos movimentos muito interessantes, basicamente para armazenar energia. Então, essas pessoas estão lá há dois anos e estão mudando pouco a pouco. E é incrível. Veja, se você deixar alguma coisa ir embora, algo em você saberá.

Abe: Você publicou este livro, por exemplo, e eu o li. Agora eu não tenho uma imagem física de você, mas meus sentimentos formam um senso de quem você é, ou como você pode ser. Agora, esse campo de energia afeta você, agora que tem esse livro lá fora?

Florinda: Uma das coisas que Don Juan deixou bem claro para Castaneda … veja, quando o livro saiu, o livro saiu. Não tem mais nada a ver com você. Para você estar se perguntando, vivendo com esperança – o livro está indo bem ou não indo bem? – veja, é muito, muito difícil se divorciar. Porque de alguma forma você está envolvido. Para realmente se desprender é muito muito difícil. Eu tinha dois outros livros – O Shabono e o The Witches Dream – e foi muito fácil. Com este, porque é a primeira vez que falo sobre o meu envolvimento com Don Juan, é muito difícil. E talvez porque pela primeira vez eu estou falando mais abertamente – com os outros eu não fiz absolutamente nada. Com este estou mais envolvida. Eu dei palestras em livrarias para grupos de pessoas, o que é muito interessante, porque, como você disse antes, há muitas pessoas que estão realmente muito interessadas, mas intelectualmente, novamente.

Abe: Ah, eu acho que conheço pessoas que foram um pouco além do intelecto com isso.

Florinda: Definitivamente. Eu acredito nisso sim.

Abe: Porque falamos sobre diferentes tipos de corpos luminosos. Há pessoas que lêem esses livros e, de repente, é tempo de auto-reconhecimento.

Florinda: Precisamente sim.

Abe: Agora, esses livros estão afetando uma mudança na forma como as pessoas se percebem.

Florinda: Sim. Basicamente, o objetivo é como percebemos o mundo e quebramos esses parâmetros de percepção, em termos de como nos percebemos também. Mas não queremos o foco no “eu”. Nós queremos ser uma testemunha. Porque tudo em nossa sociedade é filtrado através do eu, através do eu, somos incapazes de contar uma história ou contar um evento sem nos tornar o principal protagonista, sempre. Entende, Don Juan estava interessado em deixar o evento se desdobrar, e então se torna infinitamente mais rico, porque então ele se abre. E mesmo no mundo, como um exercício, apenas se torne uma testemunha; não seja o protagonista. É incrível o que se abre.

Abe: Agora, sobre esse longo caminho, uma das coisas descritas na literatura.

Florinda: Sim, exatamente. (risadas) Vou aumentar a sua depressão (risos). Não, é verdade. Algo em nós sabe, e é por isso que há a urgência com Don Juan. O imperativo do ponto de vista da natureza é a perpetuação das espécies, e não estamos mais interessados. Estamos interessados na evolução, porque a evolução é um imperativo igual, se não maior, que a procriação. Porque, se não evoluirmos, se não nos transformarmos em algo diferente, estaremos realmente nos matando para fora deste planeta, acho que de forma irredutível. Nós destruímos nossos recursos, quero dizer totalmente. Se temos cinquenta ou cem anos em termos de tempo, como planeta, é irrelevante. Isso realmente não importa. Nós, como espécie, estamos condenados. E nesse sentido, a evolução é a nossa única saída. E, novamente, como Don Juan enfatiza, a evolução está nas mãos das mulheres, não dos homens.

Abe: Então, como homem, o que eu faço? Eu apenas sento aqui e espero que as mulheres salvem o mundo?

Florinda: Sim e não. Você vê que o homem tem que abandonar seu poder, e ele não vai fazer isso, não de forma pacífica. Ele não vai. Eu não estou dizendo que, você sabe, você está batendo no seu peito, dizendo: “Eu não vou renunciar ao meu poder”. Não, é muito mais insidioso do que isso.

Abe: Entre nisso. Fale sobre isso.

Florinda: Bem, acho que isso nunca foi dito. Por exemplo, ok, aqui estão esses homens sensíveis que estiveram em grupos de homens, tentando chegar a um acordo com sua espiritualidade, e se tornaram totalmente de acordo com suas esposas, suas parceiras, a mulher com quem estão, mas não completamente. Há certas coisas que eles não renunciarão, é muito ameaçador. Até mesmo toda essa idéia do movimento dos homens começou originalmente como um movimento verdadeiramente espiritual. Mas algo no macho está sendo ameaçado. É esse medo de renunciar a algo que alguns deles sentem que terá de ser abandonado, para que nós, como espécie, continuemos. Nós certamente sabemos que a mulher tem que ter tempo, e que tempo foi necessário no passado para certas coisas evoluirem. Por exemplo, para nos tornarmos eretos, quando a vagina teve que mudar de posição, bem, quem teve que se adaptar? Os machos. O pênis teve que crescer mais. A fêmea novamente precisa de tempo. E o macho tem que dar a ela esse tempo. De um ponto de vista, o macho tem que dar o tempo às fêmeas para o útero tentar mudar para sua função secundária.

Abe: E isso não pode acontecer se o homem estiver se relacionando sexualmente com a mulher. É isso que você está dizendo?

Florinda: Não. Veja, tem que haver suficientemente mulheres que tenham aquele tempo para que algo possa mudar no útero. Elas têm que desenhar uma nova possibilidade. Dom Juan disse que nossa evolução é intencional. Você vê, aquele salto dos grandes répteis para voar, essa ideia de asas, era intencional. Foi um ato de intenção

Abe: Isso é muito interessante. Então você sente que as mulheres em todo o mundo atualmente, irmandades de diferentes tipos, estão planejando um novo futuro humano?

Florinda: Elas não estão cientes disso. Algumas mulheres, penso eu, estão sim, totalmente.

Abe: Então o homem agora vai ficar em segundo plano na evolução das espécies.

Florinda: Exatamente, certo. Não é um banco de trás. Novamente, essas são palavras que definem um tipo positivo / negativo de conotação. Não. Você tem que dar tempo.

Abe: Como o homem pode fazer isso? Fale sobre isso funcionalmente.

Florinda: Veja, nós, mulheres, somos relegadas ao status de cidadãs de segunda classe. Não importa o poder que tenhamos, ainda não temos nenhum poder real. Nós não decidimos nada. E mesmo para nós conversarmos em pequenos grupos, é quase como bater contra uma enorme porta de ferro, porque quem decidir, quem quer que esteja no poder, não vai renunciar a isso por causa disso. Vamos olhar em termos de política, digamos, Washington ou sua capital. Quero dizer, você acha que por um momento esses homens vão ouvir o que estamos dizendo? Sem chances. Mas alguns tipos de bolsos precisam ser encontrados para algo novo a ser desenvolvido. Caso contrário, estamos condenados. E essa ideia para salvarmos o planeta, o meio ambiente, tudo o que estamos realmente pensando é que nós, como espécie, não sobreviveremos. A terra certamente sobreviverá; pode entrar em algum tipo de inverno horrendo, mas eventualmente sairá disso. Mas nós, como espécie, não sobreviveremos.

Abe: Por que uma mulher leria este livro Sonhos Lúcidos?

Florinda: Muito interessante, hmm. Bem, no mínimo, acho que as pessoas que se interessaram pelo trabalho de Castaneda estariam interessadas em vê-lo apresentado a partir de uma perspectiva feminina, de alguém que está nesse trabalho há mais de vinte anos. Eu abordo os problemas de maneira diferente, provavelmente mais diretamente. A coisa é percepção. Mesmo nossos corpos humanos … o corpo é, novamente, uma conseqüência da percepção. Estamos presos como pessoas; estamos presos na linguagem, e é exatamente disso que o feiticeiro, através da energia, quer sair.

(Florinda Donner em conversa com Alexander Blair-Ewart pra Revista Dimensions, 1992.
Entrevista original em inglês no site:
http://www.nagualism.com/florinda-donner-interview-dimensions.html)

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