“(Soledad:) O Nagual queria atravessar a estrada e seguir para o sul a pé. Estávamos esperando passarem uns carros em alta velocidade, quando, de repente, ele bateu no meu ombro e apontou para a estrada adiante de nós. Vi uma espiral de poeira. Uma rajada de vento estava levantando o pó ao lado da estrada. Ficamos olhando enquanto ela se aproximava de nós. O Nagual atravessou a estrada correndo e o vento envolveu-me. Chegou a fazer-me girar, muito suavemente, e depois desapareceu. Era esse o presságio que o Nagual estava esperando.

Dali em diante íamos para as montanhas ou o deserto a fim de procurar o vento. A princípio o vento não gostou de mim, porque eu era o meu ser antigo. Por isso o Nagual procurou modificar-me. Primeiro, ele me fez construir esse quarto e esse piso. Depois obrigou-me a usar roupas novas e dormir num colchão em vez de uma esteira de palha. Obrigou-me a usar sapatos e ter gavetas cheias de roupas. Obrigou me a andar centenas de quilômetros e ensinou-me a ser sossegada. Aprendi muito depressa. Também me fez fazer coisas estranhas, sem motivo algum.

Um dia, quando estávamos nas montanhas da terra dele, escutei o vento pela primeira vez. Ele foi diretamente ao meu ventre. Eu estava deitada em cima de uma pedra chata e o vento rodopiava em volta de mim. Eu já o tinha visto aquele dia, rodopiando em volta dos arbustos, mas dessa vez ele passou sobre mim e parou. Parecia um pássaro que tivesse pousado na minha barriga.

O Nagual mandara que eu tirasse toda a minha roupa; eu estava completamente nua, mas não estava com frio porque o vento me esquentava.

— Teve medo, Dona Soledad?

— Medo? Fiquei apavorada. O vento parecia ter vida; lambeu-me da cabeça aos pés. E depois entrou em meu corpo todo. Eu parecia um balão, e o vento saía pelos meus ouvidos e minha boca e outras partes que não quero mencionar. Pensei morrer, e teria fugido, se o Nagual não se me segurasse presa à pedra. Ele falou comigo em meu ouvido e me acalmou. Fiquei deitada ali, quieta, deixando o vento fazer o que quisesse comigo. Foi aí que o vento me disse o que fazer.

— O que fazer com o quê?

— Com minha vida, minhas coisas, meu quarto, meus sentimentos. A princípio não estava claro. Eu pensei que era eu, pensando. O Nagual disse que todos nós fazemos isso. Mas quando ficamos quietos, percebemos que é outra coisa nos contando as coisas.

— Você ouviu uma voz?

— Não. O vento move-se dentro do corpo de uma mulher. O Nagual diz que é assim porque as mulheres têm útero. Uma vez dentro do útero, o vento nos pega e diz para fazermos as coisas. Quanto mais sossegada e descontraída a mulher, melhores os resultados. Pode-se dizer que de repente a mulher começa a fazer coisas que não sabia absolutamente fazer. — Desde aquele dia, o vento passou a vir a mim todo o tempo. Falava- me em meu útero e me dizia tudo o que eu queria saber. O Nagual viu desde o princípio que eu era o vento norte. Os outros ventos nunca me falaram assim, se bem que eu tivesse aprendido a distingui-los.

— Quantos tipos de vento existem?

— Há quatro ventos, assim como há quatro direções. Isso, claro, é para os feiticeiros e o que fazem os feiticeiros. Quatro para eles é um número de poder. O primeiro vento é a brisa, a manhã. Traz a esperança e a luz: é o arauto do dia. Vem e vai e entra em tudo. Às vezes é suave e passa despercebido; outras vezes é insistente e aborrecido. Outro vento é o vento duro, ou quente ou frio, ou ambos. Um vento do meio-dia. Soprando cheio de energia, mas também cheio de cegueira. Passa através das portas e derruba paredes, Um feiticeiro tem de ser muito forte para lidar com o vento duro. Depois temos o vento frio da tarde. Triste e difícil. Um vento que nunca quer nos deixar em paz. Esfria a pessoa a faz chorar. O Nagual disse que ele tem tal profundidade, porém, que vale bem a pena procurá-lo. E por fim há o vento quente. Aquece e protege e envolve tudo. É um vento da noite para os feiticeiros. O poder dele anda junto com as trevas. São esses os quatro ventos. Também estão ligados aos quatro pontos cardeais. A brisa é o leste. O vento frio é o oeste. O vento duro é o norte. O quente é o sul. Os quatro ventos também têm personalidades. A brisa é alegre, insinuante e astuta. O vento frio é temperamental, melancólico e sempre pensativo. O vento quente é feliz, largado e saltitante. O vento duro é enérgico, dominador e impaciente. — O Nagual me disse que os quatro ventos são mulheres. É por isso que as guerreiras os procuram. Os ventos e as mulheres são iguais. É por isso também que as mulheres são melhores do que os homens. Eu diria que as mulheres aprendem mais depressa quando se agarram a seu vento específico.

— Como é que a mulher pode saber qual o seu vento específico?

— Se a mulher sossega e não fica falando consigo, o vento dela a apanhará, assim. Ela fez um gesto de quem agarra.

— Ela tem de ficar deitada nua?

— Isso ajuda. Especialmente se for encabulada. Eu era uma velha gorda. Nunca tinha tirado a roupa na vida. Dormia vestida e quando tomava banho ficava sempre de combinação. Para mim, mostrar o meu corpo gordo ao vento foi como morrer. O Nagual sabia disso e aproveitou-se disso ao máximo. Ele conhecia a amizade entre as mulheres e o vento, mas apresentou-me a Mescalito porque eu o confundia. Depois de ter virado a minha cabeça naquele primeiro dia terrível, o Nagual viu-se às voltas comigo. Ele me disse que não tinha idéia do que faria comigo. Mas uma coisa era certa, não queria uma velha gorda metendo-se com o seu mundo. O Nagual me disse que sentia por mim o mesmo que sentia em relação a você. Ficava confuso. Nenhum de nós deveria estar aqui. Você não é índio e eu sou uma vaca velha. A bem dizer, somos ambos inúteis. E olhe para nós. Alguma coisa deve ter acontecido.

Uma mulher, claro, é muito mais flexível do que um homem. A mulher se modifica muito facilmente, com o poder de um feiticeiro. Especialmente com o poder de um feiticeiro como o Nagual. Um aprendiz homem, segundo o Nagual, é extremamente difícil. Por exemplo, você mesmo não mudou tanto quanto a Gorda, e ela começou o aprendizado bem depois de você. A mulher é mais delicada e mais mole, e acima de tudo a mulher é como uma cabaça, ela recebe. Mas, não sei por que, o homem consegue maior poder. Mas o Nagual nunca concordou com isso. Ele acha que as mulheres são inigualáveis, o máximo. Também acreditava que eu achava que os homens eram melhores só porque eu era uma mulher vazia. Ele deve ter razão. Estive vazia tanto tempo que nem me lembro como é estar completa. O Nagual disse que se algum dia eu ficar completa, eu mudarei de idéia. Mas se ele tivesse razão, a sua Gorda teria tido o mesmo êxito que Elígio, e, como você sabe, não teve.”

(Carlos Castañeda, O Segundo Círculo do Poder)

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