A Autoimportância Nua e Crua

Entre todas as armadilhas da mente humana, a autoimportância é a mais sutil e devastadora. Ela nos seduz com a ideia de que somos únicos, protagonistas de uma história cósmica feita sob medida para nós. Alimentados por elogios, propagandas e comparações, crescemos acreditando que cada gesto, cada emoção, cada pensamento é singular e insubstituível. Mas e se essa crença for apenas uma miragem? E se tudo o que sentimos, pensamos e buscamos não passar de repetições infinitas, recicladas ao longo de incontáveis gerações?

A tradição tolteca vê na autoimportância o inimigo mais perigoso do guerreiro. Não porque ela seja grandiosa, mas justamente porque é mesquinha: suga nossa energia em pequenas vaidades, comparações e ilusões de destaque. O que pensamos ser grandeza não passa de um grão de poeira refletido em um espelho gasto. Encarar essa verdade é desconfortável, mas também libertador. Só quando a máscara da importância pessoal cai é que se abre o espaço para a sobriedade, para a visão nua da realidade.

Você não é o personagem principal da existência. Não é um evento raro. É uma repetição. Cada pensamento que atravessou sua mente já foi pensado antes, em idiomas que você nunca conhecerá, por pessoas que morreram há séculos e foram enterradas sem nome. Seus desejos, suas dores, seus sonhos — todos são roteiros emprestados, reciclados ao longo de bilhões de vidas anônimas.

Desde o nascimento, o mundo sussurrou ao seu ouvido: “você é especial, único, insubstituível”. Seus pais disseram isso, seus professores reforçaram, cada propaganda repetiu a promessa. Você acreditou, porque a alternativa parecia insuportável. Afinal, se não for especial, então é apenas mais um: mais um rosto na multidão, mais um eco no ruído, mais um organismo em uma espécie destinada ao esquecimento quando o sol se apagar.

A verdade não é poética. É aritmética. Bilhões vivem agora. Centenas de bilhões já viveram antes. O que você poderia dizer, sentir ou ser que não tenha acontecido incontáveis vezes? Você não é um diamante bruto. É um grão de areia em um deserto que sequer sabe o seu nome.

E, no entanto, aí está o choque: tudo aquilo que chamamos de originalidade é apenas variação da mesmice. O coração partido de um adolescente que acredita viver um apocalipse privado já foi encenado milhões de vezes. O empreendedor que imagina estar mudando a humanidade pisa nas pegadas de outros que já desapareceram no pó. Cada revolta, cada bandeira, cada busca por autenticidade já foi transformada em mercadoria, vendida como novidade e consumida como se fosse libertação. Até mesmo a rebeldia se tornou produto.

Mas não pense que isso é um diagnóstico deprimente. O deprimente é viver na mentira frágil da própria importância, acreditando ser diferente enquanto se repete o roteiro gasto da espécie. O deprimente é assistir bilhões perseguindo o mesmo sonho e chamando isso de “ser especial”.

A ruptura começa quando você encara o abismo e admite: não sou único, não sou insubstituível. Quando pode olhar para essa constatação sem se encolher, um espaço de liberdade se abre. A ilusão cai por terra e, junto dela, a fábrica de almas que molda indivíduos em série com o selo de “autenticidade”. Não há rebeldia real nesse sistema: até mesmo as tentativas de se diferenciar são padrões reconhecíveis, roupas pré-costuradas, identidades de aluguel.

Essa repetição não é acidente: é arquitetura da vida. O riso, as lágrimas, as guerras, os amores — todos voltam, como uma roda antiga que gira sem nunca parar. O que você chama de sua vida é apenas a mesma coreografia, em outro figurino, em outro século. Você acredita que evoluímos, que somos mais avançados do que os antigos. Mas tire nossos aparelhos e jargões: restam os mesmos anseios por reconhecimento, poder, afeto, sentido. Nada mudou na raiz.

Eis a humilhação: até seus pensamentos mais íntimos são herdados. Estudos mostram que mais de 90% do que pensamos hoje é repetição do dia anterior. As mesmas preocupações, os mesmos desejos, os mesmos medos. Até a vida “excepcional” segue a dança comum: inspiração, frustração, orgulho, decadência, esquecimento. O que se chama de genialidade não escapa ao ciclo. Tudo é engolido pelo mesmo vazio que já tragou impérios, monumentos e obras-primas.

É por isso que o guerreiro tolteca diz que a autoimportância é o pior inimigo. Nada drena tanta energia quanto acreditar que se é especial, que tudo gira em torno da própria história. A autoimportância é o cárcere mais sutil, pois prende com correntes invisíveis de vaidade e comparação. Quem se vê como centro do mundo perde a leveza da liberdade.

Mas há poder na derrota consciente. O dia em que você abandona o culto de ser alguém, esse dia é o primeiro da verdadeira sobriedade. Não se trata de resignação, mas de recusar a servidão às ilusões. Você não precisa ser o mais forte, o mais inteligente, o mais lembrado. Não precisa deixar herança, criar movimento, salvar o planeta. O mundo apagará seu nome, queira você ou não. Então, por que viver acorrentado ao peso da fantasia de importância?

Reconhecer-se como ninguém é um ato de desmantelamento interior. Quando você já não precisa provar nada, quando deixa de medir a vida em aplausos, quando o palco se dissolve — só então a vida lhe pertence. O silêncio que sobra não é vazio: é a possibilidade de ver, finalmente, sem máscaras.

Tudo o que teme perder já é passageiro. Tudo o que deseja vai se desfazer. Nada pode torná-lo maior ou menor do que é. O que resta, nua e crua, é a consciência do instante. E nessa nudez está a única chance de liberdade: não porque você seja excepcional, mas porque já não precisa ser.

Gebh al Tarik

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