Quando os neurocientistas foram procurar o “eu” no cérebro — esse “você” que parece estar dentro de você — não encontraram nada. Não havia um homenzinho, um diretor ou CEO sentado dentro da sua cabeça tomando decisões. O que encontraram foi um vazio, misterioso e belo, de onde todos os pensamentos, emoções e sensações surgem e se dissolvem. É como tentar encontrar o líder de uma improvisação de jazz: não há maestro central, apenas uma dança de interações. Esse é o maior erro da meditação, a confusão mais comum é acreditar que o comentador interno é o observador, e separar os dois é fundamental.
O comentador interno, isto é, o Tonal fala em três registros principais: o do narrador, que descreve incessantemente cada ato e pensamento; o do crítico, que mede e julga se caminhamos certo ou errado; e o do animador, que ora nos encoraja, ora nos consola. É essa voz que preenche o silêncio, que se intromete na meditação, que elogia e repreende, como se pudesse nos definir. Mas suas definições são frágeis e instáveis, pois brotam da mesma matéria efêmera dos pensamentos que o alimentam. O Tonal pode parecer uma entidade serena e autônoma, mas não passa de uma construção condicionada, moldada pelos hábitos e pela repetição. E, no entanto, é justamente essa repetição incessante que mantém o ponto de aglutinação fixado em sua posição costumeira, aprisionando a percepção dentro de uma única configuração da realidade e tornando invisíveis as infinitas possibilidades que se ocultam ao redor.
O observador, isto é, o Nagual, ao contrário do Tonal, é silencioso. Ele nunca pensa, apenas contempla. Vê inclusive o burburinho do Tonal e seus comentários incessantes. Não intervém, porque sabe que nada daquilo é a essência. Quando permanecemos tempo suficiente em contato com o Nagual, seja em estados de ensonho, seja em momentos de quietude absoluta, descobrimos algo assombroso: o Nagual não é “nosso”. É a mesma consciência que atravessa cada ser, a mesma presença que habita guerreiros em todas as épocas, um monge nos Himalaias, um camponês no deserto ou alguém adormecido em meio ao ruído de uma cidade. O que se altera são apenas os conteúdos que fluem — pensamentos, emoções e experiências — mas o espaço que testemunha tudo isso é único, universal, sem fronteiras.
É nesse espaço que o intento se faz sentir como corrente invisível. O intento não é um pensamento, nem um desejo; é a força que guia o ponto de encaixe, deslocando-o para novas posições de percepção. Quando o Tonal se cala e cessam as vozes que nos fixam, o ponto de encaixe ganha mobilidade, podendo desprender-se de sua prisão costumeira. É então que o Nagual se abre em sua vastidão: cada movimento do encaixe revela um mundo distinto, e o guerreiro descobre que a realidade não é fixa, mas maleável, sustentada pelo intento que o atravessa. Assim, aquele com quem discutimos ou por quem nos encantamos não é apenas um outro ser, mas uma configuração diferente do mesmo mar de consciência, alinhada por meio do encaixe que ambos compartilham no grande mistério do Nagual.
O comentador interno, o Tonal, está enraizado na mente. Ele é moldado por condicionamentos, sociedade, medos e desejos, repete padrões antigos e os projeta no presente e no futuro. Ele pode ser refinado e gentil, mas nunca é o verdadeiro observador. O observador, o Nagual, existe apenas no presente. Enquanto o comentador fala, o observador escuta. Enquanto o comentador analisa, o observador simplesmente é. Na Bhagavad Gita, isso é chamado de testemunha eterna. Eckhart Tolle fala de presença consciente. Filósofos e céticos podem duvidar, mas quanto mais nos sintonizamos com o observador, mais sentido isso faz.
Tudo em você mudou ao longo do tempo: corpo, gostos, identidade. Mas o observador Nagual permanece o mesmo. Aquele que notava o mundo quando você tinha cinco anos é o mesmo que nota agora. Ele é intocado pelo tempo, imune a traumas, indiferente às histórias contadas pela mente. Esse observador Nagual é a mesma consciência que testemunhou o nascimento do universo, o mesmo silêncio refletido pelas estrelas. Sempre esteve aqui.
O Nagual não é invenção moderna da meditação, mas está presente nas tradições mais antigas. Nos Upanishads, é descrito como Atman, o Eu eterno, testemunha silenciosa. Nos estoicos, como em Marco Aurélio, é o exercício de observar a mente sem se identificar com ela. Em pensadores modernos como Einstein, em físicos quânticos e em místicos de diferentes culturas, a mesma ideia ressurge: há algo imutável que observa.
A mente é uma contadora de histórias, que escreve e reescreve identidades com base em memórias. Esse processo se parece com sistemas de retroalimentação — máquinas que corrigem suas ações com base em informações anteriores. O diálogo interno faz isso sem parar. Mas quando você se identifica com o observador, seus pensamentos passam a ser como o barulho de fundo em uma cafeteria: presentes, mas irrelevantes. Tornar o Nagual seu estado natural é como aprender a andar de bicicleta — no começo exige esforço, depois se torna espontâneo. Animais sabem permanecer em quietude por longos períodos. Nós, com nosso intelecto agitado, temos dificuldade, sempre prevendo o futuro. Mas incapaz de descansar, a mente também se torna incapaz de experimentar o mundo em profundidade. O caminho é encontrar o “não-mente”, uma percepção total sem esforço, como quando os olhos repousam sobre algo sem tentar captá-lo.
O Nagual observador não é privilégio de monges ou meditadores. No budismo, fala-se das quatro dignidades: caminhar, ficar de pé, sentar e deitar — a presença pode se manifestar em todas as posturas. O problema é que temos medo do vazio, como se cairíamos nele sem nada a que nos apegar. Mas o vazio do Nagual não é vazio: é o útero de todas as coisas, a fonte de onde surgem o pensamento, a forma e o próprio tempo. Entregar-se a ele é despertar. É perceber que nunca estivemos separados.
Gebh al Tarik