“Para o próximo passe de feitiçaria—disse Clara — fique de pé com os pés unidos e olhe para a frente, como se estivesse diante de uma porta que você vai abrir.

Clara pediu-me para levantar as mãos até a altura dos olhos e dobrar os dedos como se eu os estivesse inserindo nas alças de portas de correr que se abrem em par.

— O que você vai abrir é uma fenda nas linhas de energia do mundo— explicou. —Imagine essas linhas como cordões verticais rígidos que formam uma tela à sua frente. Agora, agarre um punhado de fibras e separe-as com toda sua vontade. Afaste-as até que a abertura esteja grande o suficiente para você entrar.

Ela me contou que, uma vez realizado o buraco, eu deveria dar um passo à frente com a perna esquerda e depois, rapidamente, usando o pé esquerdo como eixo, dar um giro de 180 graus no sentido anti-horário, ficando de frente para o lado de onde eu viera. Girando dessa maneira, as linhas energéticas que eu havia separado me envolveriam.

Para retornar, disse ela, eu tinha de abrir novamente as linhas, afastando-as como fizera anteriormente e depois saindo com o pé direito e girando rapidamente 180 graus no sentido horário, logo após dar o passo. Dessa maneira, eu teria me desenredado e novamente estaria de frente para o lado onde iniciara o passe de feitiçaria.

— Este é o mais poderoso e misterioso de todos os passes de feitiçaria — alertou Clara. — Com ele podemos abrir portas para mundos diferentes, contanto, naturalmente, que tenhamos armazenado um excedente de energia interna e sejamos capazes de realizar a intenção do passe.

Seu tom de voz e sua expressão graves deixaram-me inquieta. Eu não sabia o que esperar se conseguisse abrir aquela porta invisível. Com um tom brusco, ela me apresentou então as instruções finais:

— Quando você entrar, seu corpo terá de sentir-se firme, pesado, cheio de tensão; mas, quando estiver dentro e girar, você deverá sentir-se leve e aérea, como se estivesse flutuando. Expire fortemente, lançando seu corpo para adiante, através da abertura, e em seguida inspire lenta e profundamente, enchendo totalmente os pulmões com a energia proveniente dessa tela.

Pratiquei o passe diversas vezes enquanto Clara observava. Mas era como se eu estivesse apenas realizando os movimentos externos; eu não conseguia sentir as fibras energéticas que formavam a tela de que Clara estava falando.

— Você não está abrindo suficientemente a porta—corrigiu-me Clara. — Use sua energia interna e não apenas os músculos de, seu braço. Expire o ar estagnado e encolha o estômago ao lançar-se para a frente. Quando estiver lá dentro, respire quantas vezes puder, mas fique atenta. Não permaneça mais tempo do que o necessário.

Reuni toda minha força e agarrei o ar. Clara permaneceu de pé atrás de mim, segurou meus antebraços e deu-lhe um forte empurrão lateral. Instantaneamente senti como se portas de correr tivessem sem sido abertas. Expirando fortemente, atravessei a porta, ou melhor, Clara havia me dado um empurrão por trás, impulsionando-me. Lembro-me de girar e respirar
profundamente, mas, por um momento, temi não saber quando sair. Clara sentiu isto e me avisou quando parar de respirar e quando sair.

— A medida que você for praticando esse passe de feitiçaria sozinha— disse Clara —, você aprenderá a fazê-lo com perfeição? Mas tome cuidado. Todo tipo de coisa pode acontecer quando você atravessa essa abertura. Lembre-se, você deve ser cautelosa e mesmo tempo ousada.

— Como vou saber o que é o quê? — indaguei. Clara deu de ombros.

— Durante algum tempo você não saberá. Infelizmente, adquirimos a prudência depois de levarmos um susto.

Ela acrescentou que cautela sem covardia depende de nossa capacidade de controlar nossa energia interna e desviá-la para canais de reserva, a fim de que ela esteja disponível quando precisarmos dela para ações extraordinárias.

— Com suficiente energia interna, qualquer coisa pode ser realizada — disse Clara —, mas precisamos armazená-la e refiná-la. Assim, vamos praticar alguns passes de feitiçaria que você aprendeu e vamos ver se você consegue ser cautelosa sem ser covarde, e convocar o mundo das sombras.

(A Travessia das Feiticeiras, Taisha Abelar)


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