“Aproveitando que nesta oportunidade nós tínhamos algum tempo livre antes de que começasse a conferência de Carlos, pedi que ele me contasse mais a respeito. 

Mas para minha surpresa, Carlos disse que não podia fazê-lo, enquanto eu não me comprometesse mortalmente com o aprendizado.

– Mas por que?

– Porque você terminaria se voltando contra mim. A aprendizagem do ensonho não ofende, o máximo que você pode fazer é não acreditar que tal capacidade seja possível. Por outro lado, a espreita, da maneira como praticam os bruxos, é muito ofensiva para a razão lógica e moral. Muitos guerreiros evitam falar sobre isso, porque não tem estômago para aguentá-lo. Na fase inicial, o aprendiz fica no fogo cruzado e se sente frustrado, não consegue escapar de seu ego estreito.
A espreita é como uma moeda, tem duas caras . Por um lado é a coisa mais fácil que há, por outro, uma técnica muito difícil, não que seja complexa, mas porque trata de aspectos sobre si mesmos que as pessoas não querem tratar mas reprimir. 
A espreita induz movimentos minúsculos, mas muito sólidos, do ponto de aglutinação; não é como o Ensonhar, que o move profundamente, mas retrai como um elástico e volta imediatamente ao que se era. Quando a espreita te envolve, você segue vendo tudo semelhante como sempre, por isso você tentará aplicar critérios cotidianos às coisas. Se numa determinada circunstância você é forçado a alguma mudança por seu instrutor, a coisa mais certa é que você ficará ofendido ou ferido no seu orgulho e se afastará do caminho.

Perguntei qual era então o modo como os bruxos transmitiam essa arte.
Respondeu que tradicionalmente é ensinado em estado de consciência intensificada e é deixada para o fim.

– Isso não é algo que possa ser dito logo de cara, é necessário entendê-lo nas entrelinhas. Esta parte da aprendizagem pertence aos ensinamentos para o lado esquerdo. Levam anos para ser lembrado em que consiste, e outros tantos anos para poder levá-lo à prática. 
“No nível em que você está agora, a única coisa que lhe permite suportar a espreita é abordar isto com métodos de Ensonhar. Se em algum momento você sente que estou tocando assuntos demasiadamente pessoais ou as suspeitas o tomam, olhe então pra suas mãos ou recorra a qualquer outro convocador que tenha escolhido. A atenção dos ensonhos ajudará a mover sua fixação. 

(….)

– A espreita é a atividade central de um rastreador de energia. Embora possa ser aplicado com resultado surpreendentes nos intercâmbios com as pessoas, está desenhado principalmente para afinar o próprio praticante. Manipular e dominar outros é uma tarefa difícil, mas é incomparavelmente mais árduo dominar a nós mesmos. Por isso a espreita é que distingue o nagual. 
A espreita pode ser definida como a habilidade de fixar o ponto de aglutinação em novas posições. 
O guerreiro que espreita é um caçador. Mas, ao contrário de um caçador ordinário que tem a visão fixa em seus interesses manipulativos, o guerreiro persegue uma presa sutil e metamorfa; sua importância pessoal. Isso o prepara para enfrentar o desafio de lidar com seus semelhantes.- algo que o Ensonhar não pode resolver por si só. Os bruxos que não aprendem a espreitar se transformam em pessoas mal humoradas. 

– Mas por que?

– Porque eles não tem paciência para tolerar as bobagens das pessoas. 

(…)

– Devido ao fato que o guerreiro é dono das decisões, um espreitador é um bruxo que baniu da vida dele todo o vestígio de hábitos. Só tem que recuperar sua integridade energética para ser livre. E como o guerreiro tem liberdade de escolher, pode envolver-se em formas calculadas de comportamento, seja pra tratar com as pessoas, ou com outras entidades conscientes. 

Perguntei que sentido teria tudo isso.

Carlos respondeu:

– Do seu ponto de vista cotidiano nenhum. A liberdade não se restringe a razões. Porém, todo seu ser treme quando você rompe com suas rotinas, porque expõe o mito da imortalidade. 

Apontando então pra as pessoas que voltavam do trabalho, Carlos falou:

– O que você acha que as pessoas foram fazer? Essas pessoas foram viver seu último dia! A coisa triste é que, provavelmente, poucos deles sabem disto. Cada dia é único e o mundo não é só como nos descreveram. Cancelar a força do hábito é uma decisão que se toma de uma vez! A partir do ato, o guerreiro se torna espreitador. 

– E não poderia acontecer que o guerreiro acabe fazendo do seu propósito um processo cotidiano?

– Não. Isto é algo que você tem de entender muito bem, pois do contrário sua busca por impecabilidade perderá o frescor e você terminará traindo-a. Romper rotinas não é o propósito do caminho, mas um meio. A meta é permanecer consciente. Tendo isso em consideração, outra definição de espreita é: ” uma atenção inflexível sobre o processo total”. Se aplicamos esta atenção sobre outra pessoa, produz um cliente, um discípulo ou um enamoramento. E sobre um ente inorgânico, proporciona o que os bruxos chamam ´aliado´. Mas só se aplicarmos a espreita sobre nós mesmos,pode ser considerada arte tolteca, porque produz algo preciso: expansão da consciência.

(…) 

– Se você se dá conta do mundo em que vive, entenderá que manter-se atento a tudo é um tipo de espreita. Considerando que nós mesmos aprendemos esta atenção antes que nossa capacidade de discriminação se desenvolvesse, o damos como um fato normal e espontâneo, e quase nunca o questionamos. Porém, todas as nossas ações, mesmo as mais altruístas, estão, no fundo, impregnadas do instinto de caçador. O homem comum não dá conta disso que exerce espreita, pois seu caráter foi subjugado pela socialização. Está convencido que sua existência é importante; dessa forma , suas ações estão a serviço de sua importância pessoa, não do incremento de sua consciência. 

(…)

O método do guerreiro tolteca consiste em focalizar de uma perspectiva nova a realidade em que vivemos todos. Mais que acumular informação, consiste na busca de recompactar a energia. Um guerreiro é alguém que aprendeu a espreitar a si mesmo, como um terceiro testemunhando, e já não carrega uma pesada imagem pra mostrar aos outros. Ninguém pode descobrir o que ele não desejar mostrar, porque já não tem apegos. Está além do mero caçador, pois aprendeu a rir de si mesmo, reconhecendo os sinais do intento. ”

(Encontros com o Nagual, Armando Torres)
(Compartilhado por Vicente Medrano / Dinarte)

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