Diário de Hermenêutica Aplicada – Quarto Princípio do Caminho do Guerreiro: O Corpo de Energia

A quarta unidade do caminho do guerreiro é O CORPO DE ENERGIA. Don Juan Matus explicou que, desde tempos imemoriais, os feiticeiros têm atribuído o termo “corpo de energia” a uma configuração especial que pertence a cada ser humano individualmente. Ele também chamou essa configuração de “corpo sonhador”, o “duplo” ou o “outro”. Sua preferência, de acordo com o consenso dos feiticeiros em enfatizar os conceitos abstratos, foi chamá-lo de corpo de energia. Mas ele também me contou sobre um divertido nome secreto para o corpo de energia que foi usado como um eufemismo, um apelido, um termo carinhoso, uma referência amigável para algo incompreensível e velado: que ni te jodan – que em inglês significa “eles não deveriam incomodar você, corpo de energia, ou qualquer outra coisa”.

Don Juan explicou solenemente o corpo de energia como um conglomerado de campos de energia que são a imagem espelhada dos campos de energia que compõem o corpo humano quando este é visto diretamente como energia.

Don Juan disse que, para os feiticeiros, o corpo físico e o corpo de energia constituem uma unidade. Mais tarde, ele explicou que os feiticeiros acreditam que o corpo físico envolve tanto o corpo quanto a mente como os conhecemos e que o corpo físico e o corpo de energia são apenas configurações de energia contrabalançadas no nosso reino humano. Visto que não existe um dualismo entre corpo e mente, o único dualismo possível é entre o corpo físico e o corpo de energia. A alegação dos feiticeiros é que perceber constitui um processo de interpretação dos dados sensoriais, mas cada ser humano tem a capacidade de perceber diretamente a energia, ou seja, sem a necessidade de processá-la através de um sistema de interpretação. Como já foi afirmado, quando os seres humanos são percebidos em sua forma, eles têm a aparência de uma esfera de luminosidade. Os feiticeiros afirmam que esta esfera de luminosidade é um conglomerado de campos de energia mantidos unidos por uma misteriosa força de ligação.

“O que você quer dizer com ‘conglomerado de campos de energia’?” Perguntei a Don Juan quando ele me falou sobre isso pela primeira vez. “Os campos de energia são comprimidos juntos por alguma estranha força de aglutinação”, ele respondeu. “Uma das artes dos feiticeiros é chamar o corpo de energia, que ordinariamente está muito longe de sua contraparte, o corpo físico, e trazê-lo para mais próximo, para que ele possa começar a presidir energeticamente sobre todas as coisas que o corpo físico faz”.

“Se você quer ser mais exato”, Don Juan continuou, “pode dizer que, quando o corpo de energia está muito próximo do corpo físico, um feiticeiro vê duas esferas luminosas, quase sobrepostas uma à outra. Ter nossa energia gêmea por perto seria nosso estado natural ou, ao menos, seria o caso, se não fosse pelo fato de que algo empurrou para longe nosso corpo de energia, começando no exato momento do nosso nascimento”.

Os feiticeiros da linhagem de Don Juan colocavam uma grande ênfase na disciplina exigida para trazer o corpo de energia para perto do corpo físico. Don Juan explicou que, uma vez que o corpo de energia permanece dentro de certa faixa energética, que varia de acordo com cada um, sua proximidade permite aos feiticeiros a oportunidade de forjar o corpo de energia no “outro” ou no “duplo”: outro ser, sólido e tridimensional, exatamente como eles mesmos.

Seguindo as mesmas práticas, os feiticeiros podem mudar seus sólidos corpos físicos tridimensionais em uma perfeita réplica do corpo de energia; ou seja, um conglomerado de puros campos de energia que são invisíveis aos olhos normais, como toda energia é; como uma carga de energia etérea capaz de atravessar paredes, por exemplo.

“É possível transformar o corpo a tal grau, Don Juan? Ou você está apenas descrevendo uma proposição mítica?”, eu perguntei, maravilhado e perplexo quando ouvi tais afirmações.

“Não há nada mítico sobre os feiticeiros”, ele respondeu. “Os feiticeiros são seres pragmáticos, e o que eles descrevem é sempre algo sóbrio e com os pés no chão. Nossa desvantagem é a relutância em nos afastarmos de nossa linearidade. Isso nos torna seres incrédulos que se matam para acreditar na pior coisa que se pode imaginar”.

“Quando você fala desse jeito, Don Juan, você sempre se refere a mim”, eu disse. “Por que estou me matando para acreditar?”

“Você se mata para acreditar, por exemplo, que a antropologia é significativa ou que ela existe. Assim como um homem religioso se mata para acreditar que Deus é um homem que reside sobre as nuvens e que o diabo é um malfeitor cósmico que mora no inferno.”

Este era o estilo de Don Juan para fazer um recorte, mas feito de uma maneira espantosamente precisa sobre minha pessoa no mundo. Quanto mais mordazes e diretas eram essas observações, maior era seu efeito sobre mim e maior minha decepção em ouvi-las. Outro desses mecanismos didáticos era me oferecer informações extremamente pertinentes sobre os conceitos dos feiticeiros de um modo que soava leve, mas profundamente crítico diante da minha compulsão em me comprometer com explicações lineares. Perguntei a ele uma vez, enquanto discutíamos o tópico do corpo de energia, uma de minhas questões:

“Através de que processo”, disse eu, “os feiticeiros podem transformar seus corpos etéreos de energia em um corpo sólido tridimensional, e seus corpos físicos em energia etérea, capaz de atravessar paredes?”

Don Juan, adotando uma seriedade de professor, levantou seu dedo e disse: “através da volição – embora nem sempre consciente, mas, ainda assim, dentro de nossas capacidades, porém não totalmente no campo de nossa habilidade imediata, o uso da força de aglutinação amarra o corpo físico ao corpo de energia, como dois conglomerados de campos de energia”.

Nesse tom de provocação, sua explicação foi, todavia, uma descrição fenomenológica extremamente precisa de processos inconcebíveis para nossas mentes lineares, embora continuamente realizados por nossos recursos energéticos ocultos. Os feiticeiros sustentam que a ligação entre o corpo físico e o corpo de energia é uma força misteriosa de aglutinação que usamos incessantemente sem que estejamos cientes dela.

Foi afirmado que, quando os feiticeiros percebem o corpo como um conglomerado de campos de energia, eles percebem uma esfera do tamanho de ambos os braços estendidos tanto para os lados quanto para cima. Eles também percebem que nesta esfera existe algo que eles chamam de ponto de aglutinação: um lugar com mais intensidade de luminosidade, do tamanho de uma bola de tênis, localizado às costas, na altura da omoplata, a um braço de distância dos ombros.

Os feiticeiros consideram o ponto de aglutinação o lugar onde o fluxo direto de energia se converte nos dados sensoriais interpretados como o mundo da vida diária. Don Juan disse que aquele ponto de aglutinação, além de fazer tudo isso, também possui a mais importante função secundária: é a conexão entre o corpo físico e o ponto de aglutinação do corpo de energia. Ele descreveu tal conexão como análoga a dois círculos magnetizados, cada qual do tamanho de uma bola de tênis, vindo juntos, atraídos pela força do intento.

Ele também disse que quando o corpo físico e o corpo de energia não estão unidos, a conexão entre eles é uma linha etérea, por vezes tão tênue que sequer parece existir. Don Juan estava certo de que o corpo de energia é empurrado cada vez mais longe quando o corpo físico envelhece e que a morte surge como resultado do rompimento desta tênue conexão.

(Carlos Castaneda, Um diário de hermenêutica aplicada)
Tradução: Felipe Matus
Revisão: J Christopher

2 comentários em “Diário de Hermenêutica Aplicada – Quarto Princípio do Caminho do Guerreiro: O Corpo de Energia”

  1. Boa noite! No título do artigo, é dito que o corpo de energia é o quarto princípio do caminho do guerreiro. Quais são os outros três princípios do caminho? Obrigado.

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