“No princípio de nossa ligação, Dom Juan esboçara outra técnica: caminhar percorrendo longos trechos tem focalizar os olhos em coisa alguma. Ele recomendara que eu não olhasse para nada diretamente, mas que, envesgando ligeiramente, eu tivesse uma visão periférica do tudo o que se apresentasse a vista. Ele insistira em dizer, embora na ocasião eu não o entendesse, que, se a pessoa conservasse os olhos não focalizados num ponta logo acima do horizonte, seria possível observar, de uma só vez, tudo no campo de visão de quase 180 graus diante de quem olha. Ele me assegurara que esse exercício era o único meio de impedir o diálogo interno. Ele costumava indagar a respeito de meu progresso e depois parou de falar nisso.
Eu disse a Dom Juan que praticara a técnica durante anos, sem observar qualquer modificação, mas também eu não esperava modificação alguma. Um dia, porém, verifiquei, aturdido, que acabava de andar durante 10 minutos, sem ter dito uma palavra a mim mesmo.
Contei a Dom Juan que naquela ocasião eu também tive a noção de que parar o diálogo interno implicava algo mais do que simplesmente cancelar as palavras que eu me dizia. Todo o meu processo de pensar havia parado e eu me sentira praticamente suspenso, flutuando. Essa noção me provocara uma sensação de pânico e tive de recomeçar meu diálogo interno, como antídoto.
— Já lhe disse que o diálogo interno é o que nos prende à terra — disse Dom Juan — O mundo é isso e aquilo somente porque falamos conosco dizendo que ele é isso e aquilo.
Dom Juan explicou que a passagem para o mundo dos feiticeiros se abre depois que o guerreiro aprende a parar o diálogo Interno.
— Modificar nossa concepção do mundo é o ponto nevrálgico da feitiçaria — disse ele. — E parar o diálogo Interno é o único meio de conseguir isso. O resto é só enchimento, Agora você está em condições de saber que nada do que você viu ou fez. com a exceção de ter parado o diálogo interno, poderia só por si ter modificado alguma coisa em você, ou em sua concepção do mundo.
A condição naturalmente, é que essa modificação não seja perturbada. Agora você pode compreender por que o mestre não domina seu aprendiz. Isso só provocaria obsessão e morbidez.”
(Carlos Castaneda, Porta para o Infinito)




