Certa manhã, fui cumprimentar dona Sílvia. Ela estava embaixo da árvore, estava distraída tecendo. Usei o passo de poder para me aproximar discretamente, porque tinha a intenção de observá-la enquanto ela trabalhava. Mas ela, sem se virar, me perguntou:

— O que você está procurando, Pepito?

Fiquei surpreso com suas palavras, tinha certeza que ela não podia ter me visto, nem ouvido meus passos. Falei, desconcertado, que na minha opinião não era possível que ela tivesse me visto. Ela respondeu que, de fato, não tinha me visto, mas que sentiu a minha aproximação com o corpo energético.

Ela me disse que usava o tear como uma catapulta para o outro mundo; que, enquanto tecia, parava de conversar consigo mesma, e assim percebia tudo que vinha do outro mundo. Disse que, por isso, me viu chegando, mesmo estando de costas.

Me convidou a me aproximar, e me explicou no que ela estava trabalhando no seu tecido. Enquanto conversávamos, recebemos a visita de dona Genoveva, uma curandeira amiga dela, do povoado vizinho. No meio da prática, dona Sílvia comentou com dona Genoveva que eu também sabia tecer. Rindo, me pediu para contar o que avia acontecido com relação ao assunto de tecer.

Ela se referia a uma das experiências mais assustadoras que já tinham acontecido comigo. Imediatamente, lembrei que uma das primeiras coisas que dona Sílvia me ensinou, quando eu ainda estava doente, foi a tecer. Passei horas infinitas “tecendo a minha atenção” – foi assim que ela me apresentou a tarefa de tecer: um meio para consolidar a minha atenção. Ela própria me ajudou a confeccionar um cinto curativo e minha tira dos sonhos; sob sua supervisão, confeccionei também uma mochila para guardar objetos de poder e outras roupas.

Os acontecimentos que dona Sílvia queria que eu relatasse aconteceram quando, numa ocasião, saí para caminhar sozinho. Me sentia chateado pelas tarefas esmagadoras, e um dia simplesmente abandonei tudo e saí pra caminhar sem rumo nem destino fixo. Passaram vários dias até que cheguei aos arredores de um povoadinho sem nome, perdido no meio das montanhas.

Acontece que, nesse lugar, encontrei uma senhora tecendo em frente à sua cabana. Por ali, as velhas ainda tecem com um tear manual de nove varas. Me senti atraído pelo seu trabalho e me aproximei para conversar com ela, ainda que algo me dissesse que eu não devia.

Me aproximando, pedi perdão por interromper, e comentei que estava me intrometendo porque achava fascinante ver como funcionava um tear dos antigos. Muito amavelmente, ela me convidou a me aproximar, e me explicou que estava tecendo uma manta muito especial. Ela era uma mulher do campo, de pouca cultura, mas me deixou extasiado pela maneira como explicava seu trabalho. Segundo ela, esse tecido estava destinado a ser uma manta para atrair os bons sonhos.

Conversei um bom tempo com a mulher. Pela maneira como se comportava, não demorei a perceber que se tratava de uma bruxa. Mesmo com meu sistema de alarme aceso, fiquei ouvindo as suas explicações; eu estava definitivamente cativado pelo seu trabalho e pelo que ela me contava.

Disse que a arte da tecelã consiste em alinhar os fios verticais do tecido e os fios atravessados, para que o resultado final seja um desenho ou uma renda. Do seu jeito, a anciã me explicou:

— Um tecelão medíocre produz um tecido plano e sem valor, mas um mestre tecelão sabe como dispor os fios, gerando um valor agregado: a beleza.

Enquanto ela falava, suas mãos se moviam com rapidez e harmonia extraordinárias; a comparação que me veio à mente foi a de um ágil pianista. Era surpreendente o balé que suas mãos realizavam enquanto passava os fios e apertava com um pente de madeira, criando um desenho maravilhoso sobre a tela.

Continuou falando:

— Todos nós vivemos num tecido de relações. Dizem os mestres tecelões que o tear representa o universo, a urdidura ou fios verticais formam o conjunto dos seres humanos, e a trama ou fios horizontais são as relações que se estabelecem.

Fez comparações extravagantes sobre o tecido e as relações sociais, atribuindo diversos valores às cores e às formas que estava usando.

Eu sentia como se a sua voz tivesse me arrastado para um poço sem fundo, mas o que ela explicava era tão interessante que fiquei ali escutando como um idiota.

Ela continuou explicando:

— Segundo os nossos sentidos, vivemos num mundo real, mas não é tão real como acreditamos. Essa manta, por exemplo, é só uma combinação dos fios que a formam; se você olhar mais de perto, sem dúvida poderá ver que é mais do que uma simples manta.

Enquanto ela falava, percebi que eu entrava mais e mais no enredo do tecido, ao ponto de não conseguir desviar os olhos da tela. No início a sensação foi agradável, mas um pouco depois me senti como se estivesse hipnotizado pela sua arte e pelas suas palavras.

Me assustei e fugi apressadamente daquele lugar, mas já era tarde demais. Alguma coisa tinha me pegado, e passei muito mal nos dias seguintes. Senti que era prisioneiro de seus feitiços, até que, não sei como, consegui voltar para a casa da dona Sílvia. Contei o que tinha acontecido, e foi só graças à intervenção dos curandeiros que consegui escapar daquela feiticeira, que tinha me prendido e estava prestes a roubar minha alma.

Dona Sílvia confirmou que aquela tinha sido realmente uma batalha. Foi só por ter seguido fielmente as instruções que os curandeiros me deram que consegui seguir em frente.

(O Segredo da Serpente Emplumada, Armando Torres)
(Compartilhado por Aoede)

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