Epílogo – O Fogo Interior

Alguns dias depois, todo o grupo do nagual e todos os aprendizes se reuniram no topo da montanha plana de que don Juan me havia falado.

Don Juan disse que cada um dos aprendizes já havia se despedido de todos, e que todos nós estávamos em um estado de consciência que não admitia sentimentalismo. Para nós, ele disse, havia apenas ação. Éramos guerreiros em estado de guerra total.

Todos, com exceção de don Juan, Genaro, Pablito, Nestor e eu, se afastaram um pouco do topo plano da montanha, a fim de permitir a Pablito, Nestor e a mim privacidade para entrar em um estado de consciência normal.

Mas antes que fizéssemos isso, don Juan nos pegou pelos braços e nos fez caminhar ao redor do topo plano.

“Dentro de um momento, vocês vão intencionar o movimento de seus pontos de encaixe,” ele disse. “E ninguém os ajudará. Vocês estão agora sozinhos. Devem se lembrar então que o intento começa com um comando.

“Os velhos videntes costumavam dizer que se os guerreiros fossem ter um diálogo interno, deveriam ter o diálogo apropriado. Para os velhos videntes isso significava um diálogo sobre feitiçaria e o aprimoramento de sua autorreflexão. Para os novos videntes, isso não significa diálogo, mas a manipulação desapegada do intento através de comandos sóbrios.”

Ele repetiu várias vezes que a manipulação do intento começa com um comando dado a si mesmo; o comando é então repetido até se tornar o comando da Águia, e então o ponto de encaixe se desloca, consequentemente, no momento em que os guerreiros alcançam o silêncio interior.

O fato de que tal manobra é possível, ele disse, é de suma importância para os videntes, tanto velhos quanto novos, mas por razões diametralmente opostas. O conhecimento permitiu aos velhos videntes mover seu ponto de encaixe para posições de sonhar acordado inconcebíveis no incommensurável desconhecido; para os novos videntes, significa recusar-se a ser alimento, significa escapar da Águia movendo seus pontos de encaixe para uma posição de sonhar acordado particular chamada liberdade total.

Ele explicou que os velhos videntes descobriram que é possível mover o ponto de encaixe até o limite do conhecido e mantê-lo fixo lá em um estado de consciência aumentada primordial. A partir dessa posição, eles viram a viabilidade de deslocar lentamente seus pontos de encaixe permanentemente para outras posições além desse limite — um feito estupendo, carregado de ousadia, mas carente de sobriedade, pois eles nunca conseguiram retrair o movimento de seus pontos de encaixe, ou talvez nunca quiseram.

Don Juan disse que homens aventureiros, confrontados com a escolha de morrer no mundo dos assuntos comuns ou morrer em mundos desconhecidos, inevitavelmente escolherão o último, e que os novos videntes, percebendo que seus predecessores haviam escolhido meramente mudar o local de sua morte, chegaram a compreender a futilidade de tudo isso; a futilidade de lutar para controlar seus semelhantes, a futilidade de montar outros mundos, e, acima de tudo, a futilidade da autoimportância.

Uma das decisões mais afortunadas que os novos videntes tomaram, ele disse, foi nunca permitir que seus pontos de encaixe se movessem permanentemente para qualquer posição além da consciência aumentada. A partir dessa posição, eles realmente resolveram seu dilema de futilidade e descobriram que a solução não é simplesmente escolher um mundo alternativo para morrer, mas escolher a consciência total, a liberdade total.

Don Juan comentou que, ao escolher a liberdade total, os novos videntes, sem querer, continuaram na tradição de seus predecessores e se tornaram a quintessência dos desafiadores da morte.

Ele explicou que os novos videntes descobriram que, se o ponto de encaixe for deslocado constantemente para os confins do desconhecido, mas for feito para retornar a uma posição no limite do conhecido, então, quando ele é subitamente liberado, ele se move como um raio por todo o casulo do homem, alinhando todas as emanações dentro do casulo de uma só vez.

“Os novos videntes queimam com a força do alinhamento,” don Juan continuou, “com a força da vontade, que eles transformaram na força do intento através de uma vida de impecabilidade. O intento é o alinhamento de todas as emanações âmbar da consciência, então é correto dizer que liberdade total significa consciência total.”

“É isso que todos vocês vão fazer, don Juan?” perguntei.

“Nós certamente o faremos, se tivermos energia suficiente,” ele respondeu. “A liberdade é o dom da Águia para o homem. Infelizmente, muito poucos homens entendem que tudo o que precisamos, para aceitar um dom tão magnífico, é ter energia suficiente.

“Se isso é tudo o que precisamos, então, por todos os meios, devemos nos tornar avarentos de energia.”

Depois disso, don Juan nos fez entrar em um estado de consciência normal. Ao anoitecer, Pablito, Nestor e eu pulamos no abismo. E don Juan e o grupo do nagual arderam com o fogo interior. Eles entraram em consciência total, pois tinham energia suficiente para aceitar o presente alucinante da liberdade.

Pablito, Nestor e eu não morremos no fundo daquela garganta — nem os outros aprendizes que pularam antes — porque nunca a alcançamos; todos nós, sob o impacto de um ato tão tremendo e incompreensível como pular para a morte, movemos nossos pontos de encaixe e montamos outros mundos.

Sabemos agora que fomos deixados para recordar a consciência aumentada e para recuperar a totalidade de nós mesmos. E também sabemos que quanto mais recordamos, mais intensa é nossa exultação, nosso assombro, mas também maiores são nossas dúvidas, nossa turbulência.

Até agora, é como se tivéssemos sido deixados apenas para sermos tentados pelas perguntas mais abrangentes sobre a natureza e o destino do homem, até o momento em que possamos ter energia suficiente não apenas para verificar tudo o que don Juan nos ensinou, mas também para aceitar nós mesmos o dom da Águia.

(Carlos Castaneda, O Fogo Interior)

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