“Don Juan explicou que os novos videntes viam que há dois grupos principais de seres humanos; os que se preocupam com os outros e os que não o fazem. Entre esses dois extremos eles viam uma mistura interminável nos dois. O nagual Julian pertencia à categoria de homens que não se importam; Don Juan classificou a si mesmo como pertencendo à categoria oposta.

– Mas não me disse que o nagual Julian era generoso, que daria sua própria camisa?

– É claro que era. E não apenas generoso; era também completamente encantador, irresistível. Estava sempre profunda e sinceramente interessado em todos ao seu redor. Era gentil e aberto e dava tudo que tivesse a qualquer um que necessitasse, ou a qualquer um que caísse em seu agrado. Em troca era amado por todos, porque, sendo um mestre que espreitava, ele lhes revelava seus verdadeiros sentimentos: não dava um níquel furado por qualquer um deles.

Não comentei nada, mas Dom Juan estava consciente de minha sensação de descrédito ou mesmo de desagrado diante do que estava dizendo. Riu-se e sacudiu a cabeça de um lado para outro.

– Isto é a espreita. Veja só, eu sequer comecei minha história sobre o nagual Julian e você já está aborrecido.
Explodiu numa grande risada enquanto eu tentava explicar o que estava sentindo.

– O nagual Julian não se preocupava com ninguém. É por isso que podia ajudar às pessoas. E o fazia; dava-lhes a própria camisa, porque não dava nada por eles.

– Quer dizer, Dom Juan, que os únicos que ajudam seus semelhantes são aqueles que não dão nada por eles? perguntei, realmente vexado.

– É o que dizem os espreitadores. O nagual Julian, por exemplo, era um curador fabuloso. Ajudou a milhares e milhares de pessoas, mas nunca assumiu o crédito por isso. Deixava as pessoas acreditarem que uma mulher vidente de seu grupo era a curadora.

“Se ele fosse um homem que se preocupasse com seu semelhante, teria pedido reconhecimento. Os que se preocupam com os outros preocupam-se consigo mesmos, e pedem reconhecimento onde o reconhecimento é devido.”

Dom Juan disse que ele mesmo pertencia à categoria dos que se interessam por seus semelhantes, e que nunca havia ajudado a ninguém: ficava embaraçado com generosidades; não podia sequer conceber ser amado como o nagual Julian, e certamente se sentiria estúpido dando a alguém sua própria camisa.

– Importo-me tanto com os meus semelhantes que não faço nada por eles. Não saberia o que fazer, E teria sempre a desagradável sensação de impor minha vontade através de meus dons.

“Naturalmente superei todos esses sentimentos com o caminho do guerreiro. Qualquer guerreiro pode ser bem sucedido com as pessoas como era o nagual Julian, desde que desloque seu ponto de aglutinação para uma posição em que se torna indiferente se as pessoas gostam dele, não gostam ou o ignoram. Mas isso não é a mesma coisa”.

Os guerreiros podem ajudar as pessoas a se curarem ou podem ajudá-las a ficarem doentes. Podem ajudá-las a encontrar a felicidade ou a encontrar a tristeza. Don sugeriu ao nagual Elias que, em vez de dizer que esses guerreiros ajudam as pessoas, deveríamos dizei que as afetam. Nagual Elias respondeu que não só afetam as pessoas como as pastoreiam ativamente.”

(O Fogo Interior, Carlos Castañeda)

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