“— É fácil compreender por que o nagual Juan Matus não queria que nós tivéssemos posses — disse Nestor, depois que eu terminei de falar. — Somos todos sonhadores. Ele não queria que focalizássemos nosso corpo sonhador no lado fraco da segunda atenção. Eu não compreendia suas manobras naquela época. Fiquei sentido quando ele me fez abrir mão de tudo o que tinha. Achava que ele estava sendo injusto. Acreditava que estivesse tentando fazer com que Pablito e Benigno não me invejassem porque eles não tinham nada. Eu estava muito bem de vida comparado a eles. Naquela época não tinha a menor idéia de que ele estivesse protegendo meu corpo sonhador.

Don Juan tinha me descrito o sonho de várias maneiras. A mais obscura delas todas me parece agora ser aquela que o define do melhor modo. Ele disse que o sonho é intrinsecamente o não fazer de dormir.

Um não fazer básico designado a ajudar o sonho, era o não fazer de falar, chamado “parar o diálogo interno”. Os dois se combinam no sentido de que parar o diálogo interno traz a paz necessária e descansa a mente dos praticantes, e isso por sua vez ajuda-os a controlar seus sonhos. Como o não fazer de dormir, o sonho dá aos praticantes a utilização daquela porção de suas vidas gastas no cochilo. É como se os sonhadores não mais dormissem. Mesmo assim não há mal nisso. Os sonhadores não sentem falta de sono, mas o efeito de sonhar parece ser o aumento do tempo através do uso de um pretenso corpo extra, o corpo sonhador.

Dom Juan explicou-me que o corpo sonhador é às vezes chamado de “o sósia” ou “o outro”, porque é uma réplica perfeita do corpo do sonhador. É basicamente a energia de um ser luminoso, um esbranquiçado, uma emanação fantasmagórica, que é projetada pela fixação da segunda atenção numa imagem tridimensional do corpo.

Explicou que o corpo sonhador não é um fantasma; é tão real quanto qualquer coisa com que lidamos no mundo. Disse que a segunda atenção é inevitavelmente levada a focalizar sobre nosso ser total como um campo de energia, e que transforma essa energia em qualquer coisa apropriada. A coisa mais fácil é, naturalmente, a imagem do corpo físico com o qual já estamos perfeitamente familiarizados em nossa vida diária, através do uso da nossa primeira atenção. O que canaliza a energia do nosso ser total a produzir qualquer coisa que esteja dentro dos limites de possibilidades é conhecido como “vontade”.

Dom Juan não sabia dizer quais eram esses limites, a não ser que a nível dos seres luminosos os parâmetros são tão amplos que é bobagem tentar estabelecer limites; desta forma a energia de um ser luminoso pode ser transformada, através da vontade, em qualquer coisa.”

(O Presente da Águia, Carlos Castaneda)

Posts Relacionados

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *